Páginas

Fragmento sobre as máquinas



A troca do trabalho vivo pelo trabalho objectivado, quer dizer, a manifestação do trabalho social sob a forma antagónica do capital e do trabalho, é o último desenvolvimento da relação do valor e da produção baseada no valor. O pressuposto desta relação é – e continua sendo – que a massa de tempo de trabalho imediato, a quantidade de trabalho utilizada, representa o factor decisivo da produção de riquezas. Ora, à medida que se desenvolve a grande indústria, a criação de riquezas depende cada vez menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalho utilizada, e cada vez mais do poder dos agentes mecânicos postos em movimento durante a duração do trabalho. A enorme eficiência destes agentes, por sua vez, não tem qualquer relação com o tempo de trabalho imediato que custa a sua produção. Depende, antes, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação dessa ciência à produção. (O desenvolvimento das ciências – entre as quais as da natureza, bem como todas as outras – é, certamente, função do desenvolvimento da produção material). A agricultura, por exemplo, torna-se uma simples aplicação da ciência do metabolismo material e o modo mais vantajoso da sua regulação para o conjunto do corpo social. A riqueza social manifesta-se mais – e isto revela-o a grande indústria – na enorme desproporção entre o tempo de trabalho utilizado e o seu produto, assim como na desproporção qualitativa entre o trabalho, reduzido a uma pura abstracção, e o poder do processo de produção que ele controla. O trabalho já não surge tanto como uma parte constitutiva do processo de produção; ao invés, o homem comporta-se mais como um vigilante e um regulador face ao processo de produção. (Isto é válido não só para a maquinaria, como também para a combinação das actividades humanas e o desenvolvimento do intercâmbio humano). O trabalhador não mais introduz a matéria natural modificada (em ferramenta) como intermediário entre si e a matéria; antes introduz o processo natural – transformado num processo industrial – como intermediário entre si e toda a natureza inorgânica, dominando-a. Ele próprio coloca-se ao lado do processo de produção, em vez de ser o seu agente principal. Com esta transformação, não é o tempo de trabalho realizado, nem o trabalho imediato efectuado pelo homem, que surgem como o fundamento principal da produção de riqueza; é, sim, a apropriação do seu poder produtivo geral, do seu entendimento da natureza e da sua faculdade de a dominar, graças à sua existência como corpo social; numa palavra, é o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como a pedra angular da produção e da riqueza. O roubo do tempo de trabalho de outrem sobre o qual assenta a riqueza actual surge como uma base miserável relativamente à base nova, criada e desenvolvida pela própria grande indústria. Logo que o trabalho, na sua forma imediata, deixe de ser a fonte principal da riqueza, o tempo de trabalho deixa e deve deixar de ser a sua medida, e o valor de troca deixa portanto de ser a medida do valor de uso. O trabalho excedente das grandes massas deixa de ser a condição do desenvolvimento da riqueza geral, tal como o não-trabalho de alguns poucosdeixa de ser a condição do desenvolvimento dos poderes gerais do cérebro humano. Por essa razão, desmorona-se a produção baseada no valor de troca, e o processo de produção material imediato acha-se despojado da sua forma mesquinha, miserável e antagónica, ocorrendo então o livre desenvolvimento das individualidades. E assim, não mais a redução do tempo de trabalho necessário para produzir trabalho excedente, mas antes a redução geral do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, correspondendo isso a um desenvolvimento artístico, científico, etc. dos indivíduos no tempo finalmente tornado livre, e graças aos meios criados, para todos. O capital é em si mesmo uma contradição em processo, [pelo facto de] que tende a reduzir o tempo de trabalho a um mínimo, enquanto, por outro lado, coloca o tempo de trabalho como a única medida e fonte de riqueza. Assim que, diminui o tempo de trabalho na forma necessária para aumentá-lo na sua forma excedente; coloca portanto, o trabalho excedente, em medida crescente, como uma condição – questão de vida ou de morte – para o necessário. Por um lado, o capital convoca todos os poderes da ciência e da natureza, assim como da cooperação social e intercâmbio social, com o fim de tornar a criação de riqueza independente (em termos relativos) do tempo de trabalho empregado nela. Por outro lado, o capital necessita de utilizar o tempo de trabalho como unidade de medida das gigantescas forças sociais entretanto criadas desta maneira, e para as confinar dentro dos limites requeridos para manter o valor já criado como valor. As forças de produção e as relações sociais – dois aspectos diferentes do desenvolvimento do indivíduo social – aparecem ao capital como meros meios, e não são para ele mais que meios para produzir apoiando-se na sua base limitada. Na verdade, contudo, elas são as condições materiais para rebentar com essas mesmas bases. “Uma nação é verdadeiramente rica quando em vez de 12 horas se trabalha apenas 6. Riqueza não é dispor de tempo de trabalho excedente” (riqueza efectiva), “mas de tempo disponível, para além do usado na produção imediata, para cada individuo e para toda a sociedade”. [The Source and Remedy, etc., 1821, p.6.]
A natureza não produz máquinas, locomotivas, caminhos-de-ferro, telégrafos, etc. Estes são produtos da indústria humana; materiais naturais transformados em órgãos da vontade humana sobre a natureza, ou da participação humana na natureza. Eles são órgãos do cérebro humano, criados pela mão humana; o poder do conhecimento objectivado. O desenvolvimento do capital fixo indica até que ponto o conhecimento social geral se tornou uma força produtiva imediata, e, portanto, até que ponto, as condições do processo da própria vida social está sob o controlo do intelecto geral e foi transformado de acordo com ele. Até que ponto as forças produtivas sociais foram produzidas, não só sob a forma de conhecimento, mas também como órgãos imediatos da prática social, do processo vital real.

na luta



En la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas

Difusão do poder, maioria e consenso



O desejo pela democratização da sociedade, quer na forma de regime de governo, quer na diversidade das relações dentro do corpo social, parte da genuína esperança de que a difusão do poder que antes estava reservado ao soberano, actue na salvaguarda dos interesses da maioria em vez de interesses particulares e, claro, com isso melhore as condições de vida de uma forma geral. O caminho que seguiu este desejo pela difusão do poder trouxe-nos até às modernas democracias de hoje, e ao mesmo tempo ao impasse que é a hegemonia do discurso que esta é a forma de organização política final, porque, nos seus próprios termos, a mais legítima, justa e eficaz.

Será mesmo? A causa que o pensamento libertário vem defendendo há muitas décadas afirma que não. Partindo da ideia radical de que toda a forma de dominação é ilegítima, e de que abdicar do poder político, mesmo que de forma circunscrita, resulta invariavelmente numa relação de dominação, o pensamento libertário levou a ideia original de difusão do poder até ao fim, ou seja, até ao indivíduo, retirando dela todas as ilações que ela contém. O indivíduo passa então a ser o único e legítimo decisor sobre o que a si lhe diz respeito, não o soberano, nem o representante eleito. Onde a democracia coloca a vontade da maioria como decisiva, passa a estar a vontade do indivíduo no seu lugar, onde a democracia oferece a possibilidade de escolher os representantes, passa a estar um processo mais espontâneo ou mais organizado de discussão e decisão por consenso. Deixa de se tratar de tomar decisões sobre quais os programas a cumprir por grupos organizados e profissionalizantes, os partidos políticos – o que é mais uma decisão sobre estratégias gerais de cunho fortemente ideológico do que propriamente o gerir da própria vida – e torna-se no elaborar dos próprios programas de acção, em colaboração com outros indivíduos com o mesmo grau de autonomia.

Se a ideia de distribuir o poder faz sentido porque passa a estar mais gente representada e mais interesses salvaguardados, então terá que fazer sentido alargar isso a todos, representar toda a gente e salvaguardar o máximo possível de interesses. Pode-se objectar que o indivíduo comum não é capaz de tomar decisões complexas e delicadas e que difundir o poder a esse nível paralizaria a sociedade completamente. Bem, os políticos também não têm competência para tomar muitas das decisões que tomam, eles não são simultaneamente engenheiros, operários, arquitectos, médicos, taxistas, artistas, bombeiros, etc. O princípio é o mesmo, o indivíduo, ou a livre associação de indivíduos, pode aconselhar-se com o especialista tal como faz o político, sendo que em nenhum dos casos a consulta é vinculativa. Na verdade, as pessoas tomam decisões difíceis e complexas continuamente nas suas vidas, o próprio acto de votar num partido é uma decisão complexa que faz todo o sentido, dentro do quadro democrático, ser o cidadão comum a tomar. Não admitir competência para decisão aos outros é um raciocínio minado pelos impulsos autoritários e concentracionários do passado dos soberanos e foi contra isso que existiram tantas lutas, reformas e revoluções.

Julgo que o fundamental numa tomada de decisão é mais o processo de discussão e concertação do que a decisão em si, que no limite se pode resumir à colocação de uma cruz num papelinho ou uma mão no ar. Em democracia, esta discussão está, ou ausente, ou entregue a representantes, falseando todo o processo de decisão, esvaziando-o de conteúdo. O que se assiste com esta forma de organização social é ao afastamento dos interessados da discussão e das decisões que lhes dizem respeito, incluindo do acto isolado de escolher os representantes, ao alheamento da política e, por fim, à desresponsabilização. Uma decisão fruto de uma discussão e consequente chegada a consenso é meio caminho andado para que a pessoa se responsabilize por ela, a tome por sua. Há ainda a ter em conta o factor corrupção. Se em democracia é com dinheiro que se espera dar o incentivo suplementar que mantém os mandatados longe da tentação, com o poder distribuido a dificuldade em corromper multiplica-se pelo conjunto dos implicados.

A horizontalização das relações políticas e sociais implica o respeito pela vontade das minorias, a possibilidade de livre desvinculação e prossecução de objectivos próprios, como forma de respeitar e favorecer a multiplicidade de pensamento contra a imposição das maiorias. Aliás, maioria é o que enforma uma sociedade uniformizada, concentracionária, que não convive bem com o pensamento independente, não gregário e circunstancial, ou seja, que se vincula num determinado momento, em determinada circunstância, mas não se acomoda e deixa arrastar pela conveniência.
Há bons e negligenciados argumentos a favor de uma democracia de base, de uma forma avançada de democracia participativa a que poderiamos chamar democracia directa, anarquia ou acracia. A difusão do poder até à célula base da sociedade, o indivíduo, poderá ser a forma de combater a dominação, de a mitigar e até de a eliminar. 

Não só ao nível do regime de governo mas da diversidade de interacções sociais onde o poder actua criando relações de dominação. Por exemplo, a figura do “chefe de família” nas nossas sociedades patriarcais, ainda hoje remeniscente em fatalidades legais como o dar o nome a um filho com o sobrenome do pai e não o da mãe, sinal de que a democratização ainda não chegou totalmente à família. A difusão do poder que prescreve a dominação deve ir até ao promenor, ao íntimo das relações.

15 anos do levantamento zapatista

zapatistasign


Faz agora 15 anos que no estado de Chiapas, no sul do México, o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) deu início ao seu levantamento armado, exactamente a 1 de Janeiro de 1994, o mesmo dia em que entrou em vigor o Tratado de Livre Comércio da América do Norte, o TLCAN ou NAFTA.

Nesse dia, a guerrilha que leva o nome do camponês e revolucionário Emiliano Zapata que liderou o Ejército Libertador del Sur na revolução mexicana do início do século XX, tomou a cidade de San Cristóbal de las Casas e mais sete capitais de município. Os combates não duraram muito e em alguns dias o EZLN viu-se obrigado a retirar para a floresta.

A insurreição zapatista é de composição maioritariamente indígena e reclama direitos e justiça para os indígenas e para os pobres. A sua orientação política e a sua actuação aproxima os zapatistas de outros movimentos como os sem-terra no Brasil ou os piqueteros argentinos, os cocaleros bolivianos, o movimento antiglobalização na Europa e EUA ou o Abahlali baseMjondolo na África do Sul. A sua particularidade está na declaração que não pretende tomar o poder, uma característica libertária que deu origem a discussões intensas à esquerda com o seu ponto mais marcante na polémica em torno do livro do sociólogo e filósofo John Holloway de orientação marxista “Mudar o Mundo sem Tomar o Poder” que tem a insurreição zapatista como referência.

Na comemoração destes 15 anos ouve-se a voz do comandante zapatista David, no Caracol de Oventik, Chiapas:

“En quince años que nos han venido golpeando, hemos aprendido a resistir y a sobrevivir. Los pueblos originarios de estas tierras vamos a seguir adelante con la lucha que hemos iniciado, seguiremos adelante con dignidad y rebeldía los golpes del mal gobierno”
“el mal gobierno durante quince años ha formado, financiado y entrenado grupos paramilitares en todos los pueblos indígenas, para amenazar, provocar y dividir a nuestros pueblos”

[Grecia] Anarquistas pagan un kiosko incendiado

indy05

THESSALONIKI, Grecia – Dos meses después de que su kiosko fuera incendiado en unos disturbios locales una anciana de Thessaloniki ha recibido un inesperado regalo de los anarquistas para reconstruir su vida, según informaba un reportaje de prensa el martes.
“Como anarquistas, sentimos que debemos apoyar a las personas victimizadas por la violencia ciega,” decía en un manifiesto enviado al diario Eleftherotypia una organización llamada Iniciativa Anarquista.
Los anarquistas abrieron una cuenta de banco de apoyo a la señora de 74 años Harikleia Ananiadou y recogieron 13.000 euros para su causa.
“Le hemos dado lo que pudimos, más allá de nuestros medios, porque sabemos que será dificil para ella comenzar de nuevo a su edad,” declaraba Panagiotis Papadopoulos, miembro de la inciativa, al diario Angelioforos. Añadió que “Fue un acto de solidaridad a una mujer que podría ser nuestra madre”.
El kiosko de Ananiadou fue quemado en noviembre durante unos enfrentamientos entre jóvenes y la policía tras una manifestación.
El gobierno recientemente ha anunciado compensaciones para los propietarios de comercios que han sufrido la ola de violencia que ha barrido el país en diciembre tras la muerto de un adolescente. Sin embargo, Ananiadou dice que no iba a recibir nada porque su kiosko fue quemado un mes antes.
“Sólo he recibido promesas vacías (del estado) … me siendo muy afortunada de que estos chicos hayan venido a ayudarme”.
traducido por alasbarricadas.org

Sobre la situación en el Sur de Chile



Existe uma tradução para português aqui:  http://pt.internationalism.org/ICConline/2010/Sobre_a_situacao_no_sul_do_Chile_catastrofe
Sobre la situación en el Sur de Chile. La auto-organización de los proletarios frente a la catástrofe, los lumpen-capitalistas y la incapacidad estatal
por un camarada anónimo
Sería muy bueno que, teniendo usted este medio de difusión, pudiese dar cuenta de lo que está pasando en Concepción y sus alrededores, así como en otras zonas afectadas por el terremoto. Ya se sabe que desde el primer momento mucha gente aplicó el mayor sentido común y acudió a los centros donde se almacenan las provisiones, apropiándose sin más de lo que necesitaban. Aquello es lógico, racional, necesario e inevitable, tanto que hasta parece algo absurdo ponerlo siquiera en discusión. No sólo hubo una organización espontánea (especialmente en Concepción) de la gente, que repartió leche, pañales y agua de acuerdo a las necesidades de cada cual, atendiendo al número de hijos de cada familia especialmente. La necesidad de tomar los productos disponibles era tan obvia, tan poderosa la determinación del pueblo a ejercer su derecho a sobrevivir, que hasta los policías terminaron ayudando a la gente a sacar los víveres del supermercado Líder de Concepción, por ejemplo. Y cuando se intentó impedir que la gente hiciera lo único que podía hacer, las instalaciones en cuestión simplemente fueron incendiadas, pues es igualmente lógico que si toneladas de alimentos han de pudrirse en lugar de ser debidamente consumidos, es mejor que esos alimentos se quemen, evitando así peligrosos focos de infección. Estos “saqueos” le han permitido a miles de personas subsistir durante algunas horas, a oscuras, sin agua potable y sin la más mínima esperanza de que alguien más venga en su ayuda. Ahora bien, en el transcurso de unas horas la situación ha cambiado drásticamente. Por toda la conurbación penquista han empezado a actuar bandas bien armadas y movilizadas en buenos vehículos, que se dedican a saquear no sólo pequeños establecimientos, sino viviendas particulares y grupos de casas. Su objetivo es acaparar los escasos bienes que la gente hubiera podido recuperar de los supermercados, así como sus enseres domésticos, dinero o lo que haya. En algunas áreas de Concepción estas bandas han saqueado las casas, luego las han incendiado y han huído. Los vecinos, que al principio se encuentran en la más completa indefensión, han empezado a organizarse para la auto-defensa, haciendo rondas de vigilancia, levantando barricadas para proteger sus pasajes, y en algunos barrios colectivizando los víveres para asegurar la alimentación de todos los vecinos. Con este breve recuento de los hechos ocurridos en horas recientes no pretendo “completar” el cuadro informativo proporcionado por otros medios. Quiero llamar la atención sobre el contenido que encierra esta crítica situación, y el sentido que tiene desde un punto de vista anticapitalista. El impulso espontáneo de la gente a apropiarse de lo necesario para su subsistencia, su tendencia a dialogar, compartir, ponerse de acuerdo y actuar juntos, ha estado presente desde el primer momento de esta catástrofe. Todos hemos visto esta natural tendencia comunitaria actuando de una forma o de otra en nuestro entorno. En medio del horror experimentado por millones de trabajadores y sus familias, este impulso a vivir en comunidad ha emergido como una luz en medio de las tinieblas, recordándonos que nunca es tarde para recomenzar, para volver a nosotros mismos.
Frente a esta tendencia orgánica, natural, comunista, que ha animado al pueblo durante estas horas de espanto, el Estado ha palidecido revelándose como lo que es: un monstruo frío e impotente. Asimismo, la brusca interrupción del demencial ciclo de producción y consumo, dejó al empresariado a merced de los acontecimientos, obligado a esperar agazapado el restablecimiento del orden. En definitiva, una verdadera brecha abierta en la sociedad, por la que podían emerger los destellos del mundo nuevo que habita en los corazones de la gente común. Era necesario entonces, urgente, restablecer a toda costa el viejo orden de la rapiña, del abuso y el acaparamiento. Pero no desde las más altas esferas, sino desde el mismo suelo de la sociedad de clases: los encargados de volver las cosas a su sitio, es decir, de imponer por la fuerza las relaciones de terror que permiten la apropiación privada capitalista, han sido las mafias del narcotráfico enquistadas en las poblaciones, los más arribistas de entre los arribistas, hijos de la clase trabajadora aliados con elementos burgueses para ascender a costa del envenamiento de sus hermanos, del comercio sexual de sus hermanas, de la avidez consumista de sus propios hijos. Mafiosos: es decir, capitalistas en estado puro, depredadores de su pueblo apoltronados en camionetas 4×4 y armados de pistolas automáticas, dispuestos a intimidar y despojar a sus propios vecinos o a los habitantes de otros barrios, a fin de monopolizar el mercado negro y hacer dinero fácil, es decir, poder. Que estos elementos mafiosos son aliados naturales del Estado y de la clase empresarial, lo demuestra el hecho de que sus indignas fechorías están siendo usadas por los mass-media para hacer entrar en pánico a la ya desmoralizada población, justificando así la militarización del país. ¿Qué otro escenario podía ser más propicio para nuestros amos políticos y empresariales, que ven en esta crisis catastrófica nada más que otra buena oportunidad para hacer buenos negocios estrujando con ganancias redobladas a una fuerza de trabajo doblegada por el miedo y la desesperación?
Por parte de los adversarios de este orden social, no tiene ningún sentido cantar loas al saqueo sin precisar el contenido social de tales acciones. No es lo mismo una masa de gente más o menos organizada, o al menos con un propósito común, tomando y repartiéndose los productos que requieren para subsistir… que unas bandas armadas saqueando a la población con tal de lucrar en beneficio propio. Lo cierto es que el terremoto del sábado 27 no sólo ha golpeado terriblemente a la clase trabajadora y destruido las infraestructuras existentes. También ha trastornado seriamente las relaciones sociales en este país. En cuestión de horas, la lucha de clases ha emergido en toda su crudeza ante nuestros ojos, quizás demasiado acostumbrados a las imágenes televisadas para poder captar la esencia de los hechos en curso. La lucha de clases está aquí, en los barrios reducidos a escombros y penumbras, chisporroteando y crujiendo en el suelo mismo de la sociedad, enfrentando en un choque mortal a dos clases de seres humanos que al fin se encuentran cara a cara: por un lado los hombres y mujeres sociales que se buscan entre sí para ayudarse y compartir; y por otro los antisociales que les saquean y les disparan para iniciar su propia acumulación primitiva de capital. Acá estamos nosotros, los seres opacos y anónimos de siempre atrapados en nuestras grises vidas de explotados, de vecinos y parientes, pero dispuestos a estrechar lazos con quienes compartimos la misma desposesión. Allá están ellos, pocos pero dispuestos a despojarnos por la fuerza de lo poco y nada que podemos compartir. De un lado el proletariado, del otro el capital. Así de simple. En muchos barrios de esta tierra devastada, a estas horas de la madrugada la gente empieza a organizar su auto-defensa frente a las bandas armadas. A esta hora empieza a tomar una forma material la conciencia de clase de quienes se han visto obligados, brutalmente y en un abrir y cerrar de ojos, a comprender que sus vidas les pertenecen a ellos mismos, y que nadie vendrá en su ayuda.

Autogestão e natureza humana

autogest

Uma das objecções mais comuns às formas de organização social que colocam o poder nas mãos das pessoas e não na de uma classe de políticos e burocratas profissionais é a má natureza humana, ou seja, a incapacidade para as pessoas zelarem pelos seus interesses, de se auto-organizarem. Esta perspectiva geralmente parte, segundo me parece, de uma análise falseada das diferentes formas que os seres humanos foram encontrando para organizarem a vida em sociedade, e tem ela própria – a análise – alguns erros que em grande medida a invalidam.
Em primeiro lugar há inúmeras comunidades espalhadas pelo mundo que se autodenominam de igualitárias e em que não há essa classe de políticos e burocratas para gerir os seus destinos. Elas funcionam bem e com longevidade. Aqui o problema apontado está na quantidade de pessoas envolvidas, não são demograficamente representativas, não são constituídas por imensas massas de indivíduos anónimos e descaracterizados. Mas, então o problema seria antes esse, a massificação social, e não a incapacidade para o igualitarismo.
Mas mesmo o argumento demográfico vacila numa análise histórica mais aprofundada. Vou apenas referir o exemplo histórico mais representativo, geograficamente muito próximo, a revolução espanhola de 1936-39. Atente-se no relato do escritor George Orwell no final de Dezembro de 1936, quando tinha acabado de chegar à Catalunha revolucionária.

cnt_lorry
“Viera para a Espanha com a vaga ideia de escrever artigos para a imprensa, mas ingressei na milícia quase imediatamente, porque naquele tempo e naquela atmosfera parecia a única coisa imaginável a fazer. Os anarquistas tinham o controle virtual da Catalunha, e a revolução ainda ia de vento em popa. Para qualquer um que estivesse lá desde o começo, provavelmente parecia, já em dezembro ou janeiro, que o período revolucionário estivesse terminando; mas para alguém vindo direto da Inglaterra, o aspecto de Barcelona era algo surpreendente e irresistível. Pela primeira vez na vida encontrava-me numa cidade onde a classe trabalhadora estava no comando. Praticamente todos os prédios, do tamanho que fossem, tinham sido tomados pelos trabalhadores e estavam enfeitados com bandeiras vermelhas ou com a bandeira rubro-negra dos anarquistas; todas as paredes estavam rabiscadas com a foice e o martelo e com as iniciais dos partidos revolucionários; quase todas as igrejas tinham sido pilhadas e as suas imagens queimadas. Igrejas aqui e ali estavam sendo sistematicamente demolidas por bandos de trabalhadores. Todas as lojas e cafés exibiam uma inscrição dizendo que tinham sido coletivizadas; até mesmo os engraxadores tinham sido coletivizados e suas caixas pintadas de vermelho e preto. Garçons e lojistas nos encaravam e nos tratavam de igual para igual. As formas de tratamento servis e até mesmo as de cortesia haviam desaparecido temporariamente. Ninguém dizia “señor” ou “don” ou mesmo “usted”; todo mundo chamava todo mundo de “camarada” e “tu”, e dizia “salud” ao invés de “buenos días”. Uma de minhas primeiras experiências foi levar uma lição do gerente do hotel por tentar oferecer uma gorjeta ao ascensorista. Não havia carros particulares, eles tinham sido confiscados, e todos os autocarros e táxis e a maior parte dos demais meios de transporte tinham sido pintados de vermelho e preto. Os cartazes revolucionários estavam por toda a parte, flamejantes nas paredes com seus vermelhos e azuis vivos, que faziam os poucos anúncios restantes parecerem estuques de lama. Descendo a Ramblas, a larga artéria central da cidade onde multidões fluíam sem parar, de um lado para o outro, altifalantes berravam canções revolucionárias o dia inteiro e noite adentro. E era o aspecto das multidões a coisa mais estranha de todas. Na aparência exterior, era uma cidade em que as classes abastadas tinham praticamente deixado de existir. Exceto por um pequeno número de mulheres e estrangeiros, não havia pessoas “bem vestidas” de jeito nenhum. Praticamente todo mundo usava as roupas rudes da classe trabalhadora, ou macacões azuis, ou alguma variante do uniforme da milícia. Tudo isso era estranho e emocionante. Havia muita coisa que eu não compreendia, e de muitas delas de certa forma nem gostava, mas reconheci imediatamente que era um estado de coisas pelo qual valia a pena lutar. Também acreditava que as coisas eram como pareciam ser, que aquele era realmente um Estado dos trabalhadores e que toda a burguesia tinha fugido, ou sido morta, ou passado voluntariamente para o lado dos trabalhadores; não percebia que muitos dos burgueses abastados estavam simplesmente escondidos e disfarçados de proletários, por enquanto.”
casa_de_publa
A CNT (Confederação Nacional do Trabalho), de natureza anarco-sindicalista, não só combateu com sucesso, durante algum tempo, os fascistas, como encorajou a ocupação de terras e fábricas, num movimento que envolveu sete milhões de pessoas, incluindo cerca de dois milhões de membros da CNT, pondo as suas ideias de autogestão em prática. Apesar das circunstâncias difíceis tanto as condições de trabalho melhoraram como a produção aumentou.
Toda a industria da Catalunia foi colocada sob a autogestão pelos trabalhadores ou controlada por eles (ou seja, eles assumiram totalmente todos os aspectos da direção no primeiro caso, ou no segundo, colocando a antiga direção sob seu controle). Em alguns casos, as economias dos povos e regiões inteiras se transformaram em federações de coletividades. O exemplo de Alcoy (população de 45 mil) se dá como exemplo típico:
“Tudo era controlado pelos sindicatos. Mas isso não significava que tudo era decidido por uns poucos comitês burocráticos de cima sem consultar aos membros do sindicato. Aqui se praticava a democracia libertaria. Assim como na CNT havia uma dupla estrutura recíproca; desde a base… até acima, e por outro lado uma influencia recíproca desde a federação dessas mesmas unidades locais a todos os níveis até abaixo, desde a fonte e volta à fonte” [Gaston Leval, citado em The Anarchist Collectives, Ed. Sam Dolgoff, p.105].
Na frente social, as organizações anarquistas criaram escolas racionais, um serviço de saúde libertário, centros sociais, etc.
FAQ anarquista: Anarquismo em acção
180px-36cine_capitol
Imagem da Wikipédia: bilhete de cinema autogerido
Nas zonas rurais também houve mudanças completas:
em várias localidades o dinheiro foi abolido ou substituído por cupons de consumo. O objetivo era tornar gratuito tudo que fosse possível, e racionar o que não fosse, de forma que ninguém pudesse, por exemplo, adquirir sapatos novos toda a semana, mas que tivesse acesso a um par novo quando precisasse. Essas mudanças eram decididas pelo próprio povo do lugar, jamais impostas de fora. Todas as correntes políticas participavam das assembléias nos vilarejos, e as funções eram delegadas de acordo com a conduta passada de cada um.
Wikipédia
Em termos de movimentos de massas, este é um que não deixa margem para dúvidas sobre a capacidade humana para se autogerir e tomar as rédeas da sua vida pessoal e profissional. Deixo ainda as palavras de um dos mais destacados anarquistas que participou activamente nestes acontecimentos, Buenaventura Durruti.
Mas nós sempre vivemos em cortiços e buracos nas paredes. Saberemos como nos arranjar durante algum tempo. Pois não devem esquecer que também sabemos construir. Fomos nós que construímos os palácios e as cidades na Espanha, na América e em toda a parte. Nós, os operários, saberemos construir outros para tomar o lugar dos que forem destruídos. E ainda melhores. Não temos medo de ruínas. Nós herdaremos a terra.. Quanto a isso não há a menor dúvida. Os burgueses podem fazer explodir e destruir o seu mundo antes de abandonarem o palco da história. Nós trazemos um mundo novo em nossos corações. E esse mundo está crescendo a cada minuto que passa.
Buenaventura Durruti, em entrevista ao jornalista Van Paasen, 1936
A objecção da natureza humana à autogestão tem ainda outros problemas importantes. Um deles é o historial de más experiências que resultam do abuso deste essencialismo, o que deveria ser razão mais do que suficiente para desconfiarmos dele. Afirmar que a essência humana é conflituosa, corruptível, incompetente, maldosa, egoista, seja o que for, simplesmente não tem fundamentos científicos.
É engraçado que a ideia de autogestão é atacada porque supostamente depende de uma natureza humana boa, e que isso é um essencialismo, que essa natureza não existe. Mas os argumentos também se baseiam na existência de uma natureza humana, só que desta vez uma natureza má. É acusar os defensores da autogestão de um erro que se comete na própria crítica.

warhammer-orcs-and-goblins-02
Seres humanos em autogestão

Ainda um outro problema na invocação da natureza humana é que parte do princípio que essa natureza humana pode ser controlada e administrada de fora. Esse controlo e essa administração terá de ser feito por seres humanos, por leis e instituições. O que pergunto é, esses indivíduos que estarão na posse do controle social (políticos, juízes, administradores, executivos empresariais, etc.) escapam à sua própria natureza? São inumanos? É que se não for o caso, então o poder de administração e controle que lhes é conferido fará com que se amplie enormemente a sua má natureza, tornando miserável a vida dos controlados e administrados. E as leis e instituições, serão elas o resultado de seres de boa ou de má natureza? Poderão maus humanos fabricar boas leis? Poderão más naturezas fazer funcionar boas instituições? O problema neste argumento é que quando se fala em natureza humana está-se sempre a falar dos outros, dos bandidos, dos corruptos, e não de nós próprios e dos nossos. É um argumento nada democrático e muito pouco solidário.
O argumento da natureza humana minimiza o facto do ser humano ser também umproduto social e cultural, e de que esta influência se revela em grande parte determinante. Este factor é demasiado importante para ser ignorado. Sabemos que as sociedades modernas são conflituosas, com guerras constantes, com a violência e a agressividade constantemente em foco, quer nas ruas, em assaltos e desentendimentos, quer nas televisões, nos cinemas, nos jornais, nos jogos de computador, nos brinquedos, na linguagem. É extremamente geradora de tensões a competitividade a que somos obrigados nos trabalhos, nas escolas e nas relações com os próximos. Este estado de conflituosidade e competitividade constante, não potencia, certamente, seres humanos solidários, felizes, expressando as suas melhores capacidades.

Reformar este sistema baseado na desigualdade, na competitividade, na agressividade, no egoísmo, no salve-se quem puder, e, sobretudo, na manutenção de uma elite priveligiada no poder e detentora de uma fatia grande da riqueza, simplesmente não é possível. Estamos a falar das suas estruturas, dos seus alicerces. Não se pode esperar que pessoas que competem por um emprego que lhes é essencial para sobreviver que sejam solidárias uma com a outra. Pode-se é esperar que elas tomem o serviço à sua responsabilidade e o autogiram em conjunto. Mas para isso temos de desmontar o discurso dominante de que elas não serão capazes, que não faz parte da sua “natureza”, se pretendemos que tenham a iniciativa de o fazer.

Desfrutar a beleza, o sol



Sou anarquista e ser anarquista é ser uma pessoa coerente ( paz espiritual, a tranqüilidade, o campo, trabalhar o menos possível, o suficiente para poder viver, desfrutar a beleza, o sol. Desfrutar da vida com maiúsculas, agora se vive em minúsculas). Ter uma conduta pessoal, Levar as idéias a prática ao máximo, sem esperar que haja uma revolução. Isso se pode fazer agora. É uma concepção filosófica, é um estado de espírito, uma atitude frente a vida. Penso que esta sociedade está muito mal organizada, tanto socialmente, como politicamente, como economicamente. Há que transformar tudo. O anarquismo invoca uma vida completamente diferente. Trata de viver esta utopia um pouco a cada dia”.

Palavras de Abel Paz que faleceu a 13 de Abril.

¿Quién hizo el mundo?




Hacía pocos años que había terminado la guerra de
España y la cruz y la espada reinaban sobre las ruinas
de la República. Uno de los vencidos, un obrero anarquista,
recién salido de la cárcel, buscaba trabajo. En
vano revolvía cielo y tierra. No había trabajo para un
rojo. Todos le ponían mala cara, se encogían de hombros
o le daban la espalda. Con nadie se entendía, nadie
lo escuchaba. El vino era el único amigo que le quedaba.
Por las noches, ante los platos vacíos, soportaba sin decir
nada los reproches de su esposa beata, mujer de misa
diaria, mientras el hijo un niño pequeño, le recitaba el
catecismo.
Mucho tiempo después, Josep Verdura, el hijo de aquel
obrero maldito, me lo contó en Barcelona, cuando yo
llegué al exilio. Me lo contó: Él era un niño desesperado
que quería salvar a su padre de la condenación eterna y
el muy ateo, el muy tozudo, no entendía razones.
- Pero papá – le dijo Josep llorando – si Dios no existe,
¿Quién hizo el mundo?
- Tonto – dijo el obrero, cabizbajo, casi en secreto -.
Tonto. Al mundo lo hicimos nosotros, los albañiles.

El libro de los abrazos – Eduardo Galeano

O Comunismo ?



Tudo se passa como se cada um fosse apenas cada um. Como se vivêssemos numa sonhada “diversidade absoluta”. Essa situação é muito bem exemplificada por um edifício numa metrópole: cada qual se acredita totalmente livre em seu apartamento, mas o próprio edifício em que se encontram não é expressão de suas individualidades. Isso torna esses indivíduos supostamente livres uma massa amorfa que é unificada não pela livre relação entre si, mas por uma coisa morta, o prédio. Não há, de fato, nenhuma liberdade, mas apenas utilização, tanto do edifício quanto do apartamento.
O segredo de toda dominação está em reduzir tudo ao individual, à personalidade, ocultando desse modo o comum, a inter-relação, o comunal. Assim, o poder surge separando os indivíduos do que é comum a eles e apresentando a si mesmo como sendo o que é comum a todos.
Por isso, a crítica da sociedade que só vê os “maus” dominando os “bons”, ou a “sociedade” oprimindo os “indivíduos”, ou vice-versa, faz exatamente o jogo da classe dominante.
Os comunistas, ao contrário, procuram apreender o comum, as inter-relações. Porque é ocultando de todas as maneiras as inter-relações e separando os indivíduos das relação entre si que a dominação ocorre, massificando-os. A finalidade dos comunistas, a comunidade humana mundial, ou comunismo, é a livre associação dos indivíduos. Isto é, seu objetivo é uma inter-relação, uma comunidade, que possibilite o livre desabrochar das individualidades e o livre encontro entre elas.
Tal objetivo não será alcançado pela educação (“consciência”, “moralidade”) dos indivíduos e nem alterando as relações (“meio”, “condicionamentos”) das quais eles são separados. Tudo isso reforçaria a separação entre os indivíduos e suas inter-relações, reforçando então a dominação (não importa se dominadores forem trocados por outros), por mais que o objetivo não seja este. A praxis revolucionária consiste em destruir essa separação, de modo que a dominação perca todo o seu fundamento.

Há milhares de anos, a humanidade vivia em agrupamentos espalhados pelo globo e isolados entre si. Essas sociedades não conheciam dinheiro, mercadoria e nem estado e quase sempre viviam em guerra umas com as outras. Serras quase intransponíveis, florestas quase intransponíveis, mares quase intransponíveis, desertos quase instransponíveis separavam essas diversas sociedades. Todos esses obstáculos naturais dificultavam muito o contato entre essas sociedades e, portanto, para os transpor, era necessário um grande sacrifício. Essa condição implicava que o contato com outros povos só podia ser feito levando-se em conta esse trabalho, esse sacrifício. Considerando-se também que cada agrupamento via os outros agrupamentos como inimigos e não-humanos (no mínimo como se fossem animais de outra espécie, no máximo, como subespécies), sempre prontos para entrar em guerra, transpor essa separação só foi possível mediante coisas que eram transportadas e que interessavam os povos separados a ponto de motivá-los a suportar todo o sacrifício de levar esses objetos de um povo a outro. O transporte dessas coisas exigia trabalho e, conseqüentemente, essas coisas só podiam ser dadas se fossem trocadas por outras coisas consideradas de mesmo valor, isto é, que tivessem a mesma quantidade de sacrifício, a mesma quantidade de trabalho, caso contrário o contato se converteria novamente em guerra e isolamento das comunidades, porque eles considerariam isso uma injustiça. Então, com base nessa separação entre as diversas comunidades, surge o mercado, primeiro com o escambo e depois com as coisas sendo trocadas por dinheiro, a representação do equivalente geral (trabalho).

O mercado surge sob o selo dessa separação. Ele unifica o separado mas só se sustenta pela separação. Depois de milhares de anos, e após um longo e tortuoso caminho, foi acontecendo algo que modificou fundamentalmente a situação: desde o século XVI, o mercado foi unificando a humanidade mundialmente, ultrapassando as separações naturais que antes eram seu fundamento. Mas o mercado se perpetuou. Quando as separações naturais são ultrapassadas, o mercado só pode continuar existindo se novas separações, dessa vez artificiais (socialmente determinadas), forem criadas: cercas, muros, polícia, fronteiras, divisão social do trabalho, propriedade privada. A mercadoria se torna algo autônomo que molda a sociedade (e destrói a natureza) para que sua condição – a separação e o trabalho a ela relacionado – não seja destruída. Nesse momento, o mercado se torna capital.
Para que esse processo simultâneo de unificação planetária da humanidade e perpetuação do mercado fosse possível, foi necessário aquilo que Marx chamou de acumulação primitiva do capital: os seres humanos são violentamente separados dos meios de produção, privados de todos meios que possibilitavam a realização e criação de seus desejos e necessidade, tornando-os proletários.
Essa privação, a instituição da propriedade privada, é a condição si ne qua non para a perpetuação do mercado, ou seja, ela é a condição fundamental para o surgimento (e, depois, para a manutenção) do capital. Separando os seres humanos dos meios de se satisfazerem, o capital não apenas faz com que eles sejam obrigados a ter dinheiro para comprá-los, como também obriga que os proletários se submetam aos proprietários privados (não importa se forem indivíduos particulares, instituições, coletividades cooperativas, comunitárias ou autogeridas, Estados – como os chamados “socialistas” – etc.), ou seja, aos detentores de dinheiro, aos capitalistas, para conseguirem o próprio dinheiro que o capital os força a ter para se satisfazerem.

Com a acumulação primitiva do capital, um órgão especializado na violência é aprimorado para garantir, com polícia e exércitos, que a propriedade privada não seja destruída pelos que são privados de propriedade, isto é, para que ela não seja destruída pelos proletários. Mediante o mercado, pela primeira vez na história, o Estado se torna absolutamente totalitário, regulando todas as inter-relações entre os indivíduos, ameaçando incessantemente com armas, bombas, cassetetes e prisões toda e qualquer tentativa dos proletários para se libertarem de sua condição. A “liberdade” (não importa se “conquistada” ou “concedida”) que o estado dá de escolher os governantes (a democracia) não somente não muda esse fato, como também ilude os proletários, fazendo-os, mediante a cidadania, participar do órgão responsável pela manutenção violenta, sanguinária e brutal de sua própria escravidão, de sua própria condição de proletários.

A mesma (i)lógica explica a divisão do mundo em fronteiras, em nações, países, pátrias, blocos etc., recriando assim artificialmente, e levando às últimas conseqüências, aquilo que era a condição mais primitiva do mercado: a separação entre as várias tribos e comunidades e a conseqüente tensão sem fim diante da guerra iminente entre si. Os diversos capitalistas (individuais ou coletivos) só podem manter o capital mundial mantendo ao mesmo tempo a tensão de um estado de guerra permanente (concorrência) em cada uma das compartimentações da sociedade que ele criou: empresas, países, política, etnias, indivíduos… Na medida em que o capital consegue dominar os proletários, estes participam de todas essas compartimentações, sendo jogados uns contra os outros em todos os tipos de guerras que a classe dominante faz entre si. Sem exceção, todas as ideologias que falam em defender a pátria, a nação, em lutar contra os imperialistas (ou a favor), em se orgulhar de ser trabalhador, em se unir contra “culpados” (bodes espiatórios), em apoiar partidos de esquerda ou de direita, em apoiar a democracia contra o fascismo ou o fascismo contra a democracia etc., procuram fazer com que os proletários se submetam aos mecanismos de compartimentação pelos quais são lançados ao matadouro e dominados. Os proletários não tem nada a fazer em nenhum tipo de guerra exceto voltar as armas contra seus superiores, contra todos esses carniceiros empresariais, militares, políticos, comerciais, gerenciais, eleitorais etc., e se solidarizar com todos os demais proletários do mundo inteiro, constituindo a comunidade humana mundial que lhes possibilite se libertar da condição de proletários, destruindo o capital juntamente com todas as suas compartimentações (política, economia, estados, empresas, propriedade privada, trabalho, família, nações etc.). Qualquer pretensão de “diálogo” ou “democracia” com os carniceiros não passa jamais de um mecanismo pelo qual se procura levar o proletariado a aceitar a carnificina que o capital os submete permanentemente, dia a dia, segundo a segundo, por sua própria natureza.
Usamos a palavra “proletariado”. A muitos parecerá que usar essa palavra hoje é coisa de lunáticos, antiquados, iludidos, “imanentes” etc. Dirão: “o proletariado acabou”, ou “o proletariado é uma categoria imanente ao capital”, ou “eles foram integrados”, ou ainda “hoje só existem minorias”. O fato é que, além dessas afirmações serem mentirosas, absolutamente nada de fundamental mudou. O capital, o valor se valorizando, não pode existir nem um segundo sequer sem privar (ou seja, submeter à propriedade privada) o máximo possível a humanidade de todo e qualquer meio de realizar, produzir e criar seus desejos e necessidades a fim de que tudo seja vendável, mercadoria, meio de lucro, objeto do capital. Omitir isso é ocultar o proletariado. É levar a crítica pela metade, fazendo uma crítica “semi-radical”, não chegando nem perto da raiz da sociedade da mercadoria.

O proletariado do século XIX ainda tinha “muitas coisas” além de sua prole: tinha uma cultura de pobreza, uma solidariedade de miséria, um orgulho manual/artesanal, muitos resíduos pré-mercantis “extra-econômicos” e degradados ainda envolviam sua desgraçada sobrevivência. Nada disso se compara ao proletariado atual: o capital os despoja como nunca de todos os aspectos não-lucrativos de sua existência. Ex.: nem sequer a expressão mais elementar da espécie humana, o desejo de se enfeitar, de se tornar belo, escapou de ter seus meios de realização e criação privados para os seres humanos a fim de que tivessem valor e se tornassem mercadoria, capital: a indústria da beleza é uma das mais lucrativas do mundo; detendo os meios de produção da beleza, o capital determina o que é desejável em termos de beleza mediante lavagem cerebral (pois o capital também detém os meios de produção de informação e de comunicação) para que uma interminável sucessão de modas seja aceita e vendida, recrutando um imenso rebanho de zumbis obcecados pelos imperativos estéticos do capital. Isso sem falar que, exceto formalmente, nem a prole pertence mais aos proletários: já faz muito tempo que os filhos pertencem à televisão, ao vídeo game, ao sistema educacional etc. Talvez fosse melhor retirar “prole” da palavra “proletariado” para melhor exprimir o quão intensa a condição proletária chegou: sobrou um “tariado”, um nada, um ajuntamento inerte de corpos e espíritos despojados radicalmente de meios de expressão e realização.
Com o movimento incessante de subtração cada vez mais radical para a espécie humana de seus meios de expressão (consequentemente, suprimindo junto todos os meios de expressão limitados e estreitos que caracterizavam as sociedades passadas), o capital se torna capaz de ultrapassar todos os seus “limites internos” e pode se sustentar “ad infinitum”: por maior que seja a crise, por mais que o tempo de trabalho socialmente necessário se torne, mediante o desenvolvimento de novas tecnologias que reduzem esse tempo, incapaz de valorizar as mercadorias, o capital, através do seu movimento incessante de privação de aspectos cada vez mais profundos da espécie humana, vai criando simultaneamente e freneticamente novos “campos de trabalhado”, novas mercadorias que, temporariamente, conforme a duração de cada uma das moda que ele impõe, permitem lucros nada desprezíveis. Não importa que isso seja acompanhado de uma valorização fictícia que exprime uma suposta “crise estrutural” ( por ex., “tendência ao declínio da taxa de lucro médio”, “colapso da modernização” etc.), pois de modo algum essa crise pode, automaticamente, estabelecer um limite ao movimento de valorização. Mesmo em países subdesenvolvidos que vivem numa espécie de barbárie, um suposto estágio final da crise (uma materialização do “colapso da modernização” como alguns dizem), o capital, o valor se valorizando, continua a todo o vapor: a própria barbarização da sociedade, a formação de bandos mafiosos por toda parte, só se explica pela criação de campos sociais pelos quais o tempo de trabalho socialmente necessário é extremamente valorizante. Por exemplo, o tempo de trabalho exigido à fabricação e/ou transporte de mercadorias em meio a “territórios inimigos” ( do Estado, de bandos rivais etc.). Já faz muito tempo que o capital se autonomizou da lei do valor subordinando-a. 

Como vimos, isso é constitutivo do capitalismo desde seu início, e as diversas crises de valorização pelo qual passa desde então apenas aprimoram essa autonomização.
O limite do capital não é a lei do valor (e muito menos o [anti] “iluminismo” ou o [anti] “sujeito”). Somente o proletariado, a espécie humana reduzida ao seu grau mais radical de abstração pelo capital (que simultanea e reciprocamente, como vimos, produz e reproduz o proletariado por ser sua condição mais fundamental), é capaz de colocar em cheque a totalidade e, por conseguinte, a si mesmo. A simples busca por determinarmos, de modo consequente e assumidamente malcriado, nossas próprias necessidades e desejos implica a luta por destruir nossa privação dos meios de realizá-los, isto é, dos meios de produzi-los, de criá-los. Isso simplesmente significa, nem mais nem menos, do que a luta pela abolição da propriedade privada (intelectual, material, “virtual”, coletiva, particular, cooperativa, autogerida, estatal etc.), isto é, a abolição do trabalho, da mercadoria, das fronteiras, do dinheiro, do capital e do Estado e o fim da destruição da natureza (pois só destruindo a nossa privação diante do mundo em que vivemos – propriedade privada -, poderemos reconhecer a natureza enquanto nosso próprio corpo, e nós mesmos como sendo a natureza consciente de si mesma e não mais como algo estranho e indiferente). Em outras palavras, é a luta pelo comunismo: pela comunidade mundial de indivíduos que se associam livremente para realizar/produzir/criar seus desejos e necessidades, livres de toda e qualquer coerção social (econômica, política, sexual, familiar, étnica, territorial etc.).
Dirão: “isso é óbvio demais para ser verdade”, “é utopia”, “é ideologia”, “essa luta seria demasiado ´luxuosa´ para que simples mortais a sustentem”, “a classe dominante nunca vai deixar que isso aconteça”, “sempre haverá pessoas ´maléficas´ para impedir isso” etc. O fato, porém, é que a classe dominante não existe isoladamente (por “maldade” ou coisas do tipo): os proletários são simplesmente aqueles que produzem, mantém e manejam todos os instrumentos pelos quais o capital mundial executa a privação deles (isto é, produzem e reproduzem sua própria condição de proletários), desde as armas do estado até os meios de comunicação, passando por toda e qualquer mercadoria. Não há gradações. Uma singela fagulha – e eis saltarem pelos ares todas as fortalezas do capital da superfície terrestre e do sistema solar.

Princípio social



"Porque é que as pessoas consentem em ser governadas? Não é apenas por medo: o que teriam milhões de pessoas a temer de um pequeno grupo de políticos? É porque elas subscrevem o mesmo princípio que os seus governantes. Mandantes e mandados acreditam da mesma forma no princípio da autoridade, da hierarquia do poder. Estas são as características do princípio político. Os anarquistas, que sempre fizeram a distinção entre o Estado e a sociedade, aderem ao princípio social, que pode ser visto onde quer que o ser humano se ligue a uma associação baseada na necessidade comum ou um interesse comum. “O Estado”, disse o anarquista alemão Gustavo Landauer, “não é um coisa que possa ser destruída por uma revolução, mas é uma condição, um certo relacionamento entre seres humanos, um modo de comportamento humano; destruí-mo-lo contraindo outros relacionamentos, agindo de forma diferente.
Qualquer um percebe que há pelo menos duas formas de organização. Há a que te é imposta, a que é dirigida por cima, e há aquela que é dirigida por baixo, que não te pode forçar a fazer nada, e que és livre de te juntar ou sair quando quiseres. Podemos dizer que os anarquistas são pessoas que querem transformar todas as formas de organização humana no tipo de associação puramente voluntária onde as pessoas podem sair se não gostarem dela e criar uma outra por si próprias."


Colin Ward é um escritor anarquista britânico que faleceu recentemente, a 11 de Fevereiro de 2010.

Rebeldes



Fomos demasiado maltratados nos últimos meses pela imprensa, mas ganhamos um argumento valioso que agora podemos usar: somos os que mais assustamos, somos os desobedientes, os que verdadeiramente confrontam a ordem instituída. Nos próximos tempos podemos inverter o efeito da campanha terrorista mediática entre aqueles que tenham em si ainda alguma semente de revolta. À nossa escala e dentro das nossas possibilidades actuais, mas não podemos deixar escapar a “publicidade” gratuita que nos deram. Não somos um grupelho político violento ansioso por obter atenção e poder. Somos a expressão visível dos mais apaixonados sentimentos de solidariedade e revolta. Rejeitamos tomar o poder, rejeitamos as hierarquias, rejeitamos que nos ponham a mão em cima. Só queremos ser livres. E como nós há muitos por aí, que de momento até podem não querer levantar a bandeira negra, mas podem estar connosco nas lutas. [somos] “Os radicais dos radicais – os gatos pretos, o terror de muitos, de todos os intolerantes, exploradores, charlatães, falsos e opressores. Consequentemente somos os mais injuriados, deturpados,
incompreendidos e perseguidos de todos.”

A pensar nas eleições



Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. O artigo é de Boaventura de Sousa Santos.

Nos próximos tempos, as elites conservadoras europeias, tanto políticas como culturais, vão ter um choque: os europeus são gente comum e, quando sujeitos às mesmas provações ou às mesmas frustrações por que têm passado outros povos noutras regiões do mundo, em vez de reagir à europeia, reagem como eles. Para essas elites, reagir à europeia é acreditar nas instituições e agir sempre nos limites que elas impõem. Um bom cidadão é um cidadão bem comportado, e este é o que vive entre as comportas das instituições.

Dado o desigual desenvolvimento do mundo, não é de prever que os europeus venham a ser sujeitos, nos tempos mais próximos, às mesmas provações a que têm sido sujeitos os africanos, os latino-americanos ou os asiáticos. Mas tudo indica que possam vir a ser sujeitos às mesmas frustrações. Formulado de modos muito diversos, o desejo de uma sociedade mais democrática e mais justa é hoje um bem comum da humanidade. O papel das instituições é regular as expectativas dos cidadãos de modo a evitar que o abismo entre esse desejo e a sua realização não seja tão grande que a frustração atinja níveis perturbadores. 

Ora é observável um pouco por toda a parte que as instituições existentes estão a desempenhar pior o seu papel, sendo-lhes cada vez mais difícil conter a frustração dos cidadãos. Se as instituições existentes não servem, é necessário reformá-las ou criar outras. Enquanto tal não ocorre, é legítimo e democrático atuar à margem delas, pacificamente, nas ruas e nas praças. Estamos a entrar num período pós-institucional.

Os jovens acampados no Rossio e nas praças de Espanha são os primeiros sinais da emergência de um novo espaço público – a rua e a praça – onde se discute o sequestro das atuais democracias pelos interesses de minorias poderosas e se apontam os caminhos da construção de democracias mais robustas, mais capazes de salvaguardar os interesses das maiorias. A importância da sua luta mede-se pela ira com que investem contra eles as forças conservadoras. Os acampados não têm de ser impecáveis nas suas análises, exaustivos nas suas denúncias ou rigorosos nas suas propostas. Basta-lhes ser clarividentes na urgência em ampliar a
agenda política e o horizonte de possibilidades democráticas, e genuínos na aspiração a uma vida digna e social e ecologicamente mais justa.

Para contextualizar a luta das acampadas e dos acampados, são oportunas duas observações. A primeira é que, ao contrário dos jovens (anarquistas e outros) das ruas de Londres, Paris e Moscou no início do século XX, os acampados não lançam bombas nem atentam contra a vida dos dirigentes políticos. Manifestam-se pacificamente e a favor de mais democracia. É um avanço histórico notável que só a miopia das ideologias e a estreiteza dos interesses não permite ver. Apesar de todas as armadilhas do liberalismo, a democracia entrou no imaginário das grandes maiorias como um ideal libertador, o ideal da democracia verdadeira ou real. É um ideal que, se levado a sério, constitui uma ameaça fatal para aqueles cujo dinheiro ou posição social lhes tem permitido manipular impunemente o jogo democrático. 

A segunda observação é que os momentos mais criativos da democracia raramente ocorreram nas salas dos parlamentos. Ocorreram nas ruas, onde os cidadãos revoltados forçaram as mudanças de regime ou a ampliação das agendas políticas. Entre muitas outras demandas, os acampados exigem a resistência às imposições da troika para que a vida dos cidadãos tenha prioridade sobre os lucros dos banqueiros e especuladores; a recusa ou a renegociação da dívida; um modelo de desenvolvimento social e ecologicamente justo; o fim da discriminação sexual e racial e da xenofobia contra os imigrantes; a não privatização de bens comuns da humanidade, como a água, ou de bens públicos, como os correios; a reforma do sistema político para o tornar mais participativo, mais transparente e imune à corrupção.

A pensar nas eleições acabei por não falar das eleições. Não falei?