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O lado efêmero da vida‏




Nestes tempos em que tudo se fotografa e se registra, em que o mínimo pensamento é colhido em voo e retransmitido no twitter, em que tantos passos ecoam no face, aumenta minha ternura pelo lado efêmero da vida.


Que agradável me é o estender de mão que ninguém percebe, o tato percorrendo cetim ou reagindo à lixa, na absoluta independência dos sentidos. Quanta simpatia tenho pelo olhar que vai e se pousa, gratuito, visitando aqui e ali coisas que não espera e não guarda.



Entre cada gesto consignado às redes sociais ou flagrado pelas câmaras onipresentes, restam ainda largos espaços livres, e frinchas, frestas, portais por onde se pode escapar. A discrição é possível, o silêncio não perdeu sua função e nos acolhe. 

Estou gostando de esquecer. Não de ter falhas de memória, que disso ninguém gosta, mas de deixar esfumar uma parte do acontecido, um momento da viagem, aquele trecho da conversa. Dias inteiros se vão da minha lembrança, e acho certo. O ano tem 365 dias, não sou ninho para tanta coisa. Fechar a mão não adianta, há folga entre os dedos, melhor ser conivente da fluidez da vida que antagonista. 



Eu, que a vida inteira fiz diário, me tranquilizo com sua absoluta incompletude. Tivesse querido registrar cada passo, que fracasso amargaria! Ficou o principal, nem isso, ficou uma parte do principal, ou uma parte daquilo que me pareceu principal no momento em que o escrevi. O resto passou, como eu própria fui passando, e é apaziguante não ter tentado prendê-lo entre duas capas duras. Foi-se. Ir fazia parte do percurso.



Achei uma barata no pote de sal da cozinha. Viva. Inclinei o pote para que se fosse. Havia estado lá longo tempo sem conseguir sair, arrastou-se para fora, pensei se não deveria jogar-lhe água para livrá-la do sal, mas temi matá-la e a deixei ir. Nem tudo o que se pensa é importante. Importante foi o pensamento da barata lutando para manter a vida. Se sobreviver, não esquecerá esse episódio e se tivesse face seria justo que o relatasse. Ao contrário, meu pensamento sobre o perigo da salinidade em seu corpo não tem nenhum valor coletivo. Vale para mim porque se liga a tantos outros pensamentos sobre a vida e a alteridade e da soma desses pensamentos tiro meu modo de estar no mundo. Mas já lhe dei visto de saída, a ele e ao encontro com a barata e ao sal que joguei no lixo. Fico com a soma, me desobrigo de guardar os fatores.



As folhas das árvores caem, os cabelos caem, caem os dentes da infância e sobre tudo se pousa a poeira que cai. Que cabeleira teríamos se reimplantássemos cada fio? Ou: teríamos mais cabelos se apenas guardássemos numa gaveta os que caem? E como ficaria nossa boca com dupla dentição? As folhas caem para dar lugar a outras folhas, assim como a noite que acaba dá espaço a um novo dia. E são sempre outras folhas e são sempre outros dias. O tempo não tem alça. 



Meu amigo guarda a foto dos seus bisavós emigrantes. Só uma, meio amarela meio apagada, gasta, o casal de pé às vésperas da partida, bem juntos, ele com guarda-chuva fechado pendente do braço, ela com a mão entrefechada sobre a saia longa, os dois tão pobres e modestos e cheios de esperança. Teria meu amigo conservado mais de seus antepassados se tivesse outras fotos deles além dessa?


Marina Colasanti

O que é o capitalismo?



Por João Alexandre Peschanski.
“O que é o capitalismo?” Foi o tema que uma quinzena de estudantes secundaristas me pediu para tratar com eles, faz mais de um ano, numa aula-livre de trinta minutos em meio à ocupação da sede do governo do Wisconsin, Estados Unidos. A discussão fazia parte de um programa de atividades para os estudantes, cujos professores haviam paralisado as aulas para defender seus direitos sindicais. Sem referências bibliográficas e evitando jargões, defini com eles – talvez o público mais dinâmico, engajado, curioso e abertamente crítico com o qual já estive – o que entendo por capitalismo e transcrevo abaixo parte do resultado dessa discussão.
1) O capitalismo é um modo de organizar a economia, isto é, a produção e a troca de bens e serviços. Uma economia capitalista reúne três elementos-chave, que a definem: a propriedade privada dos meios de produção, o mercado de trabalho e a troca de produtos num mercado visando ao lucro. Volto a esses três elementos a seguir.
2) Em vários momentos da história e até hoje, o capitalismo coexistiu com outras formas de organizar a economia. Em vários países o funcionamento de empresas capitalistas, cuja organização e prática se definem pelos três elementos que citei acima, depende das matérias-primas que lhes chegam de modos de produção não capitalistas, como a escravidão, um modo de organizar a economia em que não há mercado de trabalho. (Chico de Oliveira, em Crítica à razão dualista/O ornitorrinco [Boitempo, 2003], trata do casamento do capitalismo com formas econômicas arcaicas no Brasil, que contribuem para a reprodução do capitalismo. A tese do Chico de Oliveira sugere que modos de organizar a economia se atrelam, misturam e modificam, criando toda sorte de híbridos. Nessa perspectiva, pode-se falar de capitalismo apenas em teoria e no geral, já que formas historicamente específicas de capitalismo são modificadas pelas relações sociais e econômicas com as quais coexistem.) De certo modo, vivemos atualmente no capitalismo não porque este é o “único” modo de organizar a economia onde estamos, mas porque é o modo dominante. (Dominação se refere aqui tanto ao fato de o capitalismo ser o modo de organizar a economia mais comum quanto, e principalmente, ao fato de o capitalismo geralmente impor sua lógica sobre outros modos de organizar a economia, que em muitas vezes só continuam existindo porque são funcionais para a reprodução do capitalismo: as economias não capitalistas que continuam existindo hoje não são, em sua maioria, anticapitalistas.)
3) As empresas que organizam a produção e põem seus produtos no mercado são propriedades privadas no capitalismo. Acima, falei de meios de produção, que é costume definir como tudo aquilo que é usado na produção e não é humano, como as matérias-primas, edifícios, ferramentas, máquinas, infraestrutura etc.(Refiro-me a uma definição “costumeira”, pois há dentro da tradição marxista aqueles que afirmam que parte dos meios de produção são humanos, à medida que correspondem à materialização de trabalho humano, como é o caso de máquinas.) Os capitalistas detêm o controle privado dos meios de produção. Vale notar que esta não é a única forma de organizar a propriedade, que pode ser estatal e cooperativa. Ao proprietário privado está geralmente garantido o poder de decisão sobre como usar seus bens. Isso é um aspecto importante, pois lhe garante o controle sobre investimentos futuros – o capitalista decide, só, se quer investir mais na economia, em qual ramo da economia, com quais consequências – e decisões sobre investimentos afetam diretamente a sociedade, seu nível de desemprego, as condições básicas da vida.
4) No capitalismo, a produção visa ao lucro, isto é, à venda no mercado. Em outros modos de organizar a economia, a produção não visa necessariamente ao lucro, mas saciar necessidades básicas dos produtores e membros da comunidade ou simplesmente disponibilizar gratuitamente bens e serviços. A obtenção do lucro faz parte de um ciclo: os capitalistas começam com uma certa quantia de dinheiro, que usam para comprar meios de produção e contratar trabalhadores, com o intuito de produzir alguma mercadoria a ser vendida. Na venda, os capitalistas esperam conseguir de volta o dinheiro que investiram no início do ciclo e algum excedente – o lucro –, que podem utilizar para conseguir ainda mais lucro, recomeçando o ciclo. (Há inúmeros livros sobre esse elemento do capitalismo, objeto-chave da economia política marxista. Trabalho assalariado e capital & Salário, preço e lucro, de Marx [Expressão Popular, 2006], é uma obra clássica sobre o tema, além de acessível e curta. Também sugiro a leitura de dois importantes manuais de economia política, Iniciação à teoria econômica marxista, de Ernest Mandel [Antidoto, 1978], e Teoria do desenvolvimento capitalista, de Paul Sweezy [Zahar, 1976].)
5) As pessoas que trabalham nas empresas capitalistas são contratadas num mercado de trabalho. Não são elas mesmas as proprietárias das empresas. Na consolidação do capitalismo como forma dominante de organizar a economia, houve um processo de concentração dos meios de produção por algumas famílias e, mais tarde, corporações – o que significou uma contínua expropriação da maioria da população daquilo que tradicionalmente usavam para garantir sua sobrevivência, especialmente pequenas parcelas de terra. (Um dos principais estudiosos desse processo de expropriação é o geógrafo David Harvey. Vale conferir seus dois artigos na revista Lutas Sociais, disponíveis aqui aqui.) Não restou à maioria da população outra alternativa além de trabalhar para os donos dos meios de produção. Irônico, Marx se referiu a esse elemento do capitalismo como a dupla liberdade dos trabalhadores: estão livres da propriedade dos meios de produção e estão livres para trabalhar para o capitalista ou morrer de fome.
6) Porque não tem outra forma de garantir sua sobrevivência, o trabalhador é obrigado a trabalhar para o capitalista. Os donos dos meios de produção exploram o trabalhador, pois recolhem benefícios materiais de sua atividade. Há um componente moral forte no uso do termo “exploração”, mas, aqui, pensemos simplesmente na relação entre o capitalista e o trabalhador que o termo descreve: o dono dos meios de produção usurpa o trabalhador, pois toma para si, para seu lucro, parte do que este produz. A outra parte é usada para pagar o salário, geralmente o que é necessário para o trabalhador sobreviver e, no dia seguinte, estar pronto para ser explorado mais uma vez. (Há uma vastíssima literatura sobre a exploração no capitalismo, que marca fundamentalmente a escola de pensamento de Ricardo Antunes, que coordena duas coleções sobre esse tema: Mundo do Trabalho [Boitempo, 38 livros até 2011] e Trabalho e Emancipação [Expressão Popular, 18 títulos até 2011].)
7) A relação entre o capitalista e o trabalhador é interdependente. O trabalhador, sobre quem pesa a dupla liberdade enunciada por Marx, precisa do capitalista para ter um salário. Mas para garantir e aumentar seu lucro o capitalista também precisa do trabalhador, ou mais especificamente precisa que o trabalhador aceite trabalhar e também que se entregue com intensidade máxima a sua atividade produtiva. Quanto mais o capitalista precisa do trabalhador, mais o poder do trabalhador aumenta: poder para reivindicar aumentos de salário, melhores condições de trabalho, políticas sociais mais justas. Ao capitalista o poder do trabalhador aparece, geralmente, como um entrave para a obtenção de lucro. Os donos dos meios de produção desenvolvem formas de conter o poder do trabalhador, como a organização da produção de tal modo que iniba reivindicações de empregados, a repressão, a realização de acordos com governos para que coíbam a organização dos trabalhadores, a ameaça de deslocar as fábricas etc. (Ainda pouco conhecido no Brasil, o sociólogo Michael Burawoy é um dos principais expoentes do estudo da relação entre capitalistas e trabalhadores no espaço mesmo da produção. Em especial, conferir seuManufacturing Consent [Produzindo o consentimento], um livro clássico, possivelmente publicado pela Xamã em 2012.)
8) Uma característica fundamental para a dominação do capitalismo sobre outras formas de organizar a economia é que conseguiu manter-se relativamente estável, apesar de grandes mudanças tecnológicas, disputas políticas de amplitude mundial, graves crises econômicas. Para entender a capacidade do capitalismo de sobreviver e reproduzir-se, é preciso analisar como cada um dos três elementos que o definem – a propriedade privada dos meios de produção, a troca de produtos no mercado e o mercado laboral – se sustenta no tempo. Para entender a possibilidade de formas socialmente mais justas de organizar a economia serem criadas, é preciso desenvolver uma alternativa econômica, cuja organização da propriedade – incluindo sua dissolução –, da troca de produtos e da produção seja tão ou mais robusta e eficiente do que a economia capitalista e, além disso, garanta uma vida social digna e sustentável. (Sobre alternativas ao capitalismo, conferir o dossiê “Novas perspectivas do socialismo”, Margem Esquerda, número 17.)

Cuidado de Si






Introdução

    Estudar (com) Foucault é pensar, refletir acerca de outras possibilidades que não sejam as evidentes, as instituídas como verdades absolutas. Nesse sentido, a crítica constante, colocada como um parâmetro crucial da atitude filosófica serve aqui como base para todo o estudo que se pretende desenvolver. Este, portanto, trata-se de um ensaio filosófico com vistas a uma busca do entendimento de Michel Foucault, utilizando de seu método genealógico, do que vem a ser o poder disciplinar, sua atuação na sociedade moderna e sua possível tentativa de consumar um contra-poder através das técnicas de si, ou a ética do sujeito.
    Ao afirmar que “em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações” (FOUCAULT, 2004, p.126), Foucault já explicita que formas de micropoderes perpassam informações, acarretando instantaneamente em transformações e modificações de condutas por todo o corpo social, atribuindo influências de certos tipos de poder nas manifestações dos indivíduos. Para Pignatelli (2002, p. 129), “o sujeito obediente é produzido e sustentado por um poder pouco notado e difícil de denunciar: um poder que circula através dessas pequenas técnicas, numa rede de instituições sociais tais como a escola”. Mas, falar num poder tão abrangente que não permite uma escolha por parte daqueles que são por ele influenciados, nos dá um leve desespero: será mesmo que não temos escolhas? São todas elas um posicionamento de um poder instituído? As leis mundanas e religiosas nos dizem que somos livres e autônomos. Será? Eis algumas proposições (...)

Resultados e discussões

    O corpo social, ao longo dos anos, consolida-se como algo fabricado, influenciado por uma coação calculada, esquadrinhado em cada função corpórea, com fins de automatização. Quando pensamos nas ações da forma de poder instituída nas disciplinas, devemos identificar algo que vai além de seus mecanismos, responsáveis por efetivar suas intenções: “A disciplina, ao sancionar os atos com exatidão, avalia os indivíduos com verdade; a penalidade que ela põe em execução se integra no ciclo de conhecimentos dos indivíduos” (FOUCAULT, 2004p. 162). Este conhecimento gerado possibilita uma forma de controle cada vez mais intenso, deixando os individuos expostos a uma visibilidade que os fazem eles próprios, “fiscais de si mesmos’. Todo tipo de comportamento e de conhecimentos (saberes) referentes ao indivíduo são oriundos dessa produção do poder disciplinar.
    A idéia de empresa permite exemplificar como se dá a ação do poder disciplinar na sociedade moderna, a sociedade do capital. Nela, os corpos são “fabricados” através de “uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações” (Ibid., p.125). Essa rede de relações se verifica nas instituições que regulam as atividades humanas através de normas, penas e sanções. A disciplina tanto incentiva comportamentos positivos e meritocráticos quanto serve como ferramenta para o adestramento e docilidade dos corpos que ocupam os espaços institucionais. O funcionamento da sociedade capitalista se dá, pois, através da distribuição dos corpos e do controle de suas atividades. As disciplinas escolares são formas representativas da ordem, no que se refere aos saberes escolares, estando envolvidas diretamente com os mecanismos de poder. Estas foram instituídas como um saber necessário para assegurar um estereótipo de cidadão ideal.
    Foucault vai nos dizer que “as pessoas sabem o que fazem; elas frequentemente sabem o porquê fazem o que fazem; mas o que elas não sabem é o que faz (causa) aquilo que elas fazem” (DREYFUS; RABINOW, p. 165 apud BLACKER, 2002, p. 187). Assim, sugere-nos que a liberdade está condicionada diretamente com a questão das relações de poder, pois “o poder é uma relação, incitado e intimamente alinhado com a resistência e a liberdade” (PIGNATELLI, 2002, p. 146). A liberdade então surge nesse contexto moderno, como um estado transitório em que “sujeitos individuais ou coletivos têm diante de si um campo de possibilidades de diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento que podem acontecer” (FOUCAULT, 1995b, p. 244).
    Daí surge a questão da liberdade, como uma forma do poder se estabelecer, pois Foucault acredita que “a compreensão que temos de nós mesmos como pessoas capazes de efetuar escolhas livres e autônomas é, ela própria, uma construção que nos permite ser governados” (MARSHALL, 2002, p. 22). Pensando na sociedade moderna, “para ser governável, uma pessoa deve ser alfabetizada” (Ibid., p. 24). Por governo, entendendo “uma forma de atividade dirigida a produzir sujeitos, a moldar, a guiar ou afetar a conduta das pessoas de maneira que elas se tornem pessoas de um certo tipo” (Ibid., p. 29). Sua arte consiste então em “fornecer uma forma de governo para cada um e para todos, mas uma forma que deve individualizar e normalizar” (Ibid., p. 29)
    Em comunhão com o poder disciplinar, a liberdade pode ser colocada como um estado do poder agir, pois “sem as relações de poder, quer dizer, sem as táticas e estratégias de resistência e liberdade que elas engendram, o que resta é apenas estado de dominação, cujo excesso pode tornar a vida alheia destituída de valor sob o signo da pura violência, como no caso dos totalitarismos” (ALMEIDA, 2006, p. 157). A auto-regulaçao dos estudantes que mantém um bom comportamento mesmo na ausência do professor é um reflexo dessa ação disciplinar no ambiente escolar. Para Foucault, somos alvos de um poder que cria uma falsa idéia da liberdade, pois fomos, a partir do momento que somos considerados um produto da ação disciplinar, construídos para pensar que somos livres e autônomos e “porque essa mesma construção permitiu o avanço do poder/saber e a subjugação das pessoas como sujeitos a levarem vidas úteis, dóceis e práticas” (Ibid., 2002, p. 31)
    A relação de governo do outro implica diretamente na forma como governamos a nós mesmos. A criança deve, num primeiro momento, “ser sujeita à disciplina pedagógica para atender os interesses de sua independência posterior” (PONGRATZ, 2008, p. 41); Portanto, a racionalidade deve defender a tudo o que pretende em relação à liberdade e “ao mesmo tempo legitimar o grau de dominação e disciplina requerido socialmente” (Ibid., p. 42).
    Existe sim uma liberdade como condição sem a qual não haveria relações de poder: enquanto houver uma escolha plausível de ser feita, haverá uma relação de poder, moldada por pressupostos políticos que regularão as condutas, para que haja uma escolha a bem de um interesse. “O poder só se exerce em sujeitos potencialmente livres e enquanto estes permanecerem livres” (ALMEIDA, 2006, p. 147). Ser livre, portanto, coloca o homem sobre duas possibilidades, como alvos do poder: a primeira, talvez posta sob uma maior carga emancipadora, como alvo de um governo de si mesmo; a segunda, mas dependente, assegurando o governo dos outros.
    Se o poder é geral e engloba a tudo e a todos, pois não há o exterior a ele, uma resistência ao poder buscada como uma solução para uma liberdade “sem restrições” pressupõe uma luta constante por novas formas através de criações de subjetividades, pois a busca de “possibilidades da liberdade através da resistência, rejeitando o quadro possivelmente determinista no qual suas primeiras descrições do poder/saber tinham sido traçadas” (MARSHALL, 2002, p. 29), coloca a liberdade como que se existisse, então, como uma condição essencial para que o poder se estabeleça, pois o poder pode apenas existir onde existe a possibilidade de resistência e, portanto, a obtenção de liberdade (FOUCAULT, 1995b). Assim, a resistência nunca será externa numa relação com o poder, pois “concebido como ação sobre uma ação (como da ordem do governo), o poder sempre pressupõe a possibilidade da resistência, pois se trata de uma relação estabelecida entre pessoas potencialmente livres” (ALMEIDA, 2006, p. 156-7).
    Assim é o indivíduo: alvo, sujeito, dócil ao poder; mas ao mesmo tempo seu veículo, agente e instrumento. São objetos e ações, ao mesmo tempo, pois a sua disciplinação depende diretamente de sua vontade e de sua participação ativa; no entanto, possuem sua própria razão e, nesse sentido, “são também intersubjetivamente sujeitados pelo fato de que eles são governados externamente por outros e internamente por suas próprias consciências” (DEACON, 2002, p. 101)

As técnicas de si ou a ética

    A idéia trazida aqui é com relação a formas possíveis de se manter fora de um ambiente de dominação, ou tornando-as positivas, já que o próprio poder já as produz para se manter em atividade. Assim, “Foucault pensa que, diante dessa ambigüidade, precisamos observar todos os detalhes, sendo ao mesmo tempo extremamente prudentes e empíricos: só no seu exercício se pode decidir se a relação de poder é boa ou ruim” (ALMEIDA, 2006, p. 158). No entanto, já vimos outrora que não existe, na concepção de Foucault, um exterior ao poder, pois é ele o princípio de funcionamento contemporâneo. Nossa proposta agora é de buscar entendimentos no que se refere à existência de alguma forma para atenuar as investidas da sociedade disciplinar ou uma forma de resistência, pois “o grande desafio que ainda se enfrenta hoje, na perspectiva da genealogia realizada por Foucault, é produzir e reproduzir conhecimentos capazes de se insurgir contra a dominação que as próprias ciências do homem ajudaram a criar e a aperfeiçoar” (MACHADO, 2004, p. 35).
    Foucault se remete a “um outro tipo de pedagogia, a um outro tipo de educação: àquela exercida sobre si mesmo, que chamará de subjetivação, contrapondo-a à sujeição, princípio que rege a escola em nossa sociedade” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2007, p. 10-1). Surge então as técnicas de si ou, como outros poderiam chamar, ética do sujeito, como uma forma de os sujeitos se constituírem numa prática reflexiva consigo mesmo. Há então uma mudança: de uma leitura política focada nos dispositivos e tecnologias do poder, para uma relacionada à ética, às condutas de si, “inventando, assim, novos modos de subjetivação, novos estilos de vida individual, mas também social, para além das objetivações impostas pelas tecnologias de dominação do poder” (ALMEIDA, 2006, p. 151-2).
    A disposição dos alunos em círculo, diferente das tradicionais fileiras, “abre a possibilidade de que todo estudante manifeste sua opinião e de que seja ouvido” (GORE, 2002, p. 16), porém, Foucault considera, reforçado por Gore, que as “práticas educacionais libertadoras não têm nenhum efeito garantido” (Ibid., p. 16). Por isso, “o importante não é que se aprenda algo ‘exterior’, um corpo de conhecimentos, mas que se elabore ou reelabore alguma forma de relação reflexiva do ‘educando’ consigo mesmo” (LARROSA, 2002, p. 36). “A questão não é ir atrás de um princípio fundamental e geral em que se assentaria o poder, mas examinar os agenciamentos em que se cruzam as práticas” (VEIGA-NETO, 2006, p. 24). Nesse sentido, a idéia não é dar questões fechadas como soluções ou para um bloqueio ao poder, mas fornecer propostas, questões abertas que permitam o exercício da dúvida e da crítica. Assim, “a fim de comportar-se apropriadamente, de praticar a liberdade apropriadamente, era necessário cuidar do eu, nao meramente para conhecer o próprio eu, mas também para melhorá-lo, ultrapassá-lo, dominá-lo (MARSHALL, 2002, p. 28).
    As práticas de si refletem uma maneira, definida pelo filósofo como conduta, de fiar a si mesmo uma auto-gestão. Com isso “proporá o termo conduta como aquele que mais bem capta o que há de específico nas relações de poder. A conduta pode ser caracterizada pela maneira de conduzir os outros bem como a maneira de se conduzir a si mesmo” (ALMEIDA, 2006, p. 147). Para ele, será um bom governante aquele que souber governar (e bem), a si mesmo. Dessa forma, a reflexão funcionaria como uma ferramenta do indivíduo que, sabendo mais que os demais, colocar-se-á como um gestor de recursos humanos, ou um líder, como prefere o sistema das organizações modernas. No entanto, a noção primeira de sua ontologia do presente não pode ─ e nem há de fato um modo, pelo seu caráter realístico e talvez absolutamente preciso ─ ser descartada: mesmo observando das técnicas do controle de si para constituir-se a si mesmo, cabe-se demarcar a influência dos poderes do ramo das disciplinas, dos controles dos corpos individuais e coletivos, através do poder da norma e de suas sanções. Como nos diz Almeida:
    “não se deve admitir jamais uma forma incontornável de dominação ou o privilégio absoluto da lei, da norma, da disciplina, do governo, mas, ao contrário, entender que enquanto as relações de poder estiverem presentes em todas as relações humanas (aí incluídas as pedagógicas) teremos certeza de que nelas há pessoas potencialmente capazes de dizer não a qualquer abuso no uso do poder” (2006, p. 157).
Conclusão

    Assim, a ética ou o domínio das técnicas de si podem, talvez, amenizarem os efeitos do poder disciplinar sobre os corpos individuais, entendo a ética do sujeito como uma noção diferente da kantiana, universalista; a de Foucault é focada apenas no sujeito, nas práticas que possui consigo mesmo, na construção de sua própria subjetividade, na sua sujeição per se. “O cuidado de si apareceria como uma conversão ao poder, ou seja, uma forma de controlá-lo” (Ibid., p. 160). Essa é a proposta para uma possível investida contra o poder: uma inspiração foucaultiana caracterizada por uma postura de completa e permanente desconfiança sobre as formas discursivas ou de verdades instituídas, tomadas como naturais; um quadro parecido como o do próprio poder: se ele é constante, a reflexão assim também o deve ser; se é consentido, devemos problematizá-lo; se produz identidades, devemos moldá-las a nossa forma, colocando a vontade individual como parâmetro. A regulação sempre existirá no ambiente pedagógico, mas devemos repensá-las, no âmbito da educação, promovendo da auto-reflexão, pois como afirma Almeida, “o poder definitivamente não é o mal: compreendê-lo assim é desistir da liberdade, pois só há relações de poder onde há liberdade” (2006, p. 157).
    Como Foucault nos mostra, ao estudar a Antiguidade greco-romana, “para ser um bom governante é preciso primeiro governar a si próprio” (Ibid., p. 151). Assim, as “técnicas de si ou do eu, formas através das quais o sujeito se auto-constitui enquanto senhor de seus atos, poderiam ser caracterizadas como um exercício de si sobre si mesmo” (Ibid., p. 150).
    Nem mesmo o próprio Foucault coloca a sua filosofia e seus diagnósticos como uma verdade pronta e estática. Uma pedagogia crítica de inspiração foucaultiana traz como um dos seus objetivos a reflexão, colocando o indivíduo numa situação de cuidado em não ser em demasia controlado – sendo esta talvez uma possível solução para essa questão – e para tanto, servindo como um contradomínio na ação pedagógica, onde a idéia de liberdade coloca os indivíduos para além dos estados de dominação. Cabe, no entanto, a cautela, pois o poder também possui sua positividade, que para ele está atrelada a um estado de visibilidade: será na própria relação que se definirá o lado produtivo ou não, de sua ação.

A universidade brasileira




por Ruy Mauro Marini e
Paulo Speller

     O problema da educação deve ser examinado a partir do ponto de vista do processo global da sociedade considerada. Trataremos, então, de analisar a universidade brasileira no marco do processo econômico e social do país. No entanto, começaremos com algumas considerações de caráter geral, em relação à função da universidade na sociedade capitalista contemporânea e sua relação com o Estado, com a intenção de compreender melhor o papel que cumpre o sistema educativo superior no Brasil.
No âmbito das ciências sociais, em particular nas ciências sociais marxistas, tem se dado atualmente uma interessante discussão sobre o papel da universidade, e da escola em geral, na sociedade capitalista. O tema ganhou relevância e se tornou cada vez mais polêmico nos últimos anos, sobretudo a partir dos movimentos juvenis contestatórios que tiveram lugar na Europa, na América Latina e em outras partes do mundo no ano de 1968. Desde então, especialmente na França, Alemanha e Itália, tem se buscado realizar a crítica radical da universidade burguesa.
Existe uma tese, surgida no decorrer desse debate, que tem grande importância; os estudos que são realizados ultimamente sobre a questão da dominação ideológica na sociedade capitalista a utilizam freqüentemente. Trata-se da tese de Louis Althusser, um dos filósofos marxistas vivos de maior projeção, que argumenta que a universidade é um aparato ideológico do Estado, um instrumento mediante o qual o Estado opera na esfera da produção ideológica. Os aparatos ideológicos do Estado incluiriam, além da universidade, um conjunto de instituições, como os partidos políticos, os sindicatos, a imprensa, a igreja, a família (Althusser, 1970). Tais aparatos se constituiriam sem se confundir com o outro elemento do aparato do Estado: o aparato repressivo, o corpo do Estado.
Sendo indiscutível que a maioria das instituições que compõe o que poderíamos chamar de sistema de dominação (Marini, 1976) normalmente se encontra sob o controle da classe dominante, isto é, da classe que detém o poder do Estado, o termo “aparato ideológico de Estado” deixa margem a confusões, já que não permite distinguir quais instituições do sistema de dominação escapam ao controle da classe dominante, nem quando isto ocorre. Um partido revolucionário que se propõe a derrocada da classe dominante, mas que em certas condições atua na legalidade, ou seja, constitui uma instituição enquadrada no sistema jurídico de dominação, deve ser considerado também como aparato ideológico do Estado? As próprias Universidades, tal como surgiram e se desenvolveram na França e na Inglaterra, assim como nos Estados Unidos, não teriam nascido fora do aparato do Estado de então, e não se mantêm ainda hoje, em muitos países, separadas do Estado? – o que não significa que não estejam sob o controle da classe dominante. Não existe, na sociedade burguesa, em condições normais, uma imprensa que se oriente a combater a ideologia dominante, isto é, a ideologia da classe dominante?
Ao considerar situações concretas, veremos que a relação que pode existir entre o Estado e a universidade varia muito no espaço e no tempo. As universidades surgem, na Idade Média, como corporações de estudantes e professores que tratavam precisamente de se defender do poder do Estado e manter uma área própria de autonomia. A luta pela autonomia universitária, em suas diversas etapas e em diferentes épocas, geralmente tem levado a enfrentamentos entre os integrantes da instituição acadêmica e o Estado. A intervenção do Estado na vida universitária é menor, atualmente, em países como o México ou o Peru, do que no Brasil.
São as condições históricas, determinadas pela luta de classes, que determinam a vinculação ou desvinculação, assim como o grau de uma e outra, da universidade em relação ao Estado. A universidade nasce fora do Estado e é independente dele, no período medieval, precisamente como conseqüência da debilidade do Estado no marco do forte sistema de dominação próprio da classe feudal. A universidade se integra posteriormente ao Estado, no período de dominação burguesa, precisamente como resultado da maior debilidade da burguesia, uma classe dominante que, tal como advertiu Engels, somente em condições excepcionais governa isoladamente. Em conseqüência, a burguesia precisa de um Estado mais forte, que possa inclusive assumir certa independência, sem que isto implique a debilidade de sua dominação de classe, como ocorre, por exemplo, na forma do Estado bonapartista[1]. Finalmente, ao se aprofundar a luta de classes, esta incide antes nas instituições que compõe o sistema de dominação – e, portanto, na universidade – que no próprio Estado; o elemento característico de uma situação revolucionária, na qual as classes dominadas colocam em perigo o poder da classe dominante e ameaçam derrubá-lo, é o fato de que o sistema de dominação entre em crise, de modo que uma parte mais ou menos significativa das instituições passam ao controle das classes dominadas e o Estado vacila enquanto cúspide do sistema de dominação ou centro de poder que paira sobre o conjunto do sistema de dominação. Somente no caso de que a contra-revolução triunfe, isto é, de que as classes dominadas sejam derrotadas, tende a ocorrer que, para se reconstituir, o Estado absorva, durante certo período, a maior parte do sistema de dominação; o fascismo representa o caso típico no qual o limite do Estado coincide com os limites do sistema de dominação.
Como instituição funcional ao sistema de dominação, ou seja, em condições em que o controle da classe dominante sobre ela se mantém intacto, a universidade cumpre na sociedade burguesa três funções principais.
A primeira é a de reprodução das condições ideológicas nas quais a burguesia assenta as bases de sua dominação de classe. Podemos distinguir aqui dois níveis. Um primeiro nível está dado pela reprodução, na esfera da universidade, da divisão do trabalho, da estrutura de autoridade e dos demais elementos constitutivos da dominação burguesa; é dessa forma que a universidade reproduz permanentemente a separação entre trabalho manual e intelectual que impera no conjunto da sociedade, forma os quadros diretivos para a vida política e econômica, etc. Num segundo nível, a reprodução do sistema de dominação se dá pela transmissão dos valores ideológicos mediante os quais a burguesia legitima sua dominação – a análise de teorias pedagógicas burguesas nos mostraria como seu conteúdo e seus métodos respondem às fases que atravessa na história a dominação burguesa –; num plano mais imediato é possível destacar o fato de que a universidade transmite, de forma permanente, valores como o individualismo e a competição.
A segunda função que cumpre a universidade burguesa é de ordem econômica e se traduz na transmissão e mesmo criação, através da pesquisa, de técnicas de produção.  A universidade constitui um dos centros fundamentais de concentração da ciência e da técnica, com a finalidade do seu desenvolvimento e transmissão aos que deverão utilizá-las como meio para levar a cabo a exploração do trabalho em benefício do capital. Neste sentido, a universidade se converte num dos instrumentos principais para a reprodução do sistema econômico capitalista. Em outro plano, a universidade cumpre essa função econômica ao assegurar a formação de quadros médios e superiores requeridos pelo mercado de trabalho e prover a mão de obra qualificada que requer o funcionamento do sistema.
A terceira função da universidade burguesa, de caráter político, é a de ser um dos campos no qual a burguesia pode concretizar as alianças de classes que necessita para afirmar sua dominação. Num primeiro sentido, isto significa aliança com as antigas classes dominantes, o que é particularmente certo nos períodos em que a burguesia ainda luta pela hegemonia sobre elas e se integra à velha universidade de tipo oligárquico, tratando de modificá-la em seu benefício, mas preservando parte dos privilégios que a universidade outorgava àquelas classes (isto se pode traduzir, por exemplo, no caráter seletivo e excludente, em favor das velhas oligarquias, que marcam alguns cursos, como é o caso do direito e da medicina, em alguns países). Em outro sentido, a universidade propicia a ampliação da aliança da burguesia com as classes subalternas, em especial com a pequena burguesia, ao se apresentar como um meio de promoção social.
No que se refere à luta de classes, é precisamente porque cumpre esta função política que a universidade constitui um dos pontos críticos do sistema de dominação. Se consideramos os dois grandes momentos da reforma universitária na América Latina, veremos claramente que expressam processos particulares da luta de classes. Na década de 1920, nos encontramos com uma burguesia ascendente, em aliança com a pequena burguesia, que luta contra as antigas frações burguesas hegemônicas, latifundiários e comerciantes, por transformar a universidade e abrir caminho a sua adequação às exigências do desenvolvimento urbano, industrial. Na década de 1960, o espetáculo que se apresenta é o de uma pequena burguesia, que a industrialização dependente levou a um aumento numérico e a uma crescente proletarização, em luta contra a burguesia industrial e financeira, buscando para isso a aproximação com as massas trabalhadoras, em particular com o proletariado urbano.
Este marco geral, que nos permite distinguir as funções ideológicas, econômicas e políticas da universidade burguesa, é perfeitamente aplicável à América Latina. Mais que isso, somente o desenvolvimento real da sociedade burguesa latino-americana leva ao surgimento de uma universidade desse tipo. Tal caracterização se verifica mesmo em países que, como o Peru e o México, contaram com instituições universitárias desde o começo da colonização, instituições que tem seguido a pauta da universidade feudal ibérica (a dupla origem da Universidad de México, real e pontifícia, ilustra este fato com perfeição). Na medida em que essas sociedades ingressam à fase econômica de tipo capitalista, tais instituições vão se refuncionalizando, até se desprender da antiga pele colonial. Seria interessante, neste sentido, analisar as modificações sofridas pela educação superior no México no período do porfiriato[2], as vicissitudes da Universidad de México a partir de 1910 e seu ressurgimento sob uma forma modernizada, no período posterior a 1929, coincidentemente com a entrada da sociedade mexicana na etapa de pleno desenvolvimento capitalista, industrial.
O caso brasileiro é ainda mais ilustrativo, já que neste país a universidade é diretamente uma criação do capitalismo industrial, posterior aos anos 1930. Seus primeiros passos, as primeiras tentativas de formação de instituições universitárias, correspondem à década anterior, precisamente aquele em que arranca o processo de industrialização brasileira, ao mesmo tempo em que já se manifesta a crise da antiga economia exportadora. A história da universidade brasileira não cobre ainda um período muito maior do que 40 anos.
As razões para que isso tenha sido assim são várias, mas se derivam sempre do caráter da formação social brasileira. Economia de exportação, que produz matérias-primas, alimentos e metais preciosos, o Brasil dependia do mercado internacional para prover os meios de vida e de produção que necessitava; até a mão-de-obra, durante longo período, foi proporcionada através do mercado internacional, mediante o tráfico de escravos africanos e, depois, da importação de trabalhadores europeus. É natural, portanto, que as idéias, assim como os produtores e administradores de idéias, os letrados, fossem importados dos centros metropolitanos europeus. O envio de estudantes à Universidade de Coimbra, que voltavam ao país transformados em juristas e homens de letras, é a resposta fiel, no plano ideológico, do esquema de produção e circulação próprio da economia exportadora brasileira, tanto no período colonial como independente.
Claro está que este processo correspondia, particularmente na fase colonial, aos interesses de dominação ideológica da metrópole. Mas essa dominação não teria podido estabelecer um peculiar sistema educativo se não correspondesse a um esquema dado de produção e circulação de mercadorias. Tampouco se entenderia o próprio conteúdo da educação brasileira – em seu período colonial, assim como em boa parte do período independente – se não enfocamos as relações de produção que se encontravam na base do sistema produtivo.
Já apontamos acima esse conteúdo: a formação de letrados, homens de leis e de letras. Que outra coisa esperar num país onde o trabalho produtivo se identificava com a condição escrava? A escravidão leva a separação entre o trabalho manual e o intelectual ao seu limite extremo. O trabalho manual é considerado não apenas como algo desagradável, mas também degradante, sinal visível do status de sujeição. A formação educativa das camadas médias e superiores se distancia, então, até onde é possível, de tudo que tenha relação com a produção material. Onde o trabalho produtivo é identificado como sujeição e degradação, a cultura se cristaliza em outro pólo como refinamento e excelência. Assim, a educação superior não tem como desenvolver as três funções que a caracterizam, no marco da sociedade burguesa, e aparece, mutiliada e caricaturizada, reduzida à sua função puramente ideológica. 
Isso repercute, naturalmente, nos demais níveis educativos. Ao considerar a sociedade colonial brasileira, veremos que ali praticamente não existe a instrução primária como instituição social independente, sendo que tal instrução se identifica ainda com a instituição familiar e está reservada às classes poderosas. A instrução média, extremamente limitada, apenas começa seu processo de institucionalização no marco da instituição religiosa, para o qual os jesuítas desempenharam um papel relevante.
As características do processo de produção, eminentemente agrícola e baseado na incorporação extensiva de terras e homens, agravam ainda mais essas tendências. Os artesanatos e as manufaturas não apenas não encontram campo para se desenvolver, dado o caráter da economia exportadora, mas também são proibidos pela metrópole quando, no século XVIII, ao se abrir o ciclo da mineração e, com isso, a urbanização, aparecem as condições para que eles se desenvolvam com base numa separação mais marcada entre a cidade e o campo. No entanto, a condição dependente da própria metrópole atua como elemento sobre-determinante: sua subordinação à Inglaterra a obriga a impedir o desenvolvimento industrial urbano para assegurar assim um mercado para as florescentes manufaturas daquele país.
A extremada polarização da estrutura social, gerada pela escravidão, não apresenta à classe dominante a necessidade de estabelecer alianças políticas. A educação superior se reserva, pois, à oligarquia latifundiária. O desenvolvimento de uma estreita camada média autóctone, surgida com a urbanização do século XVIII, e seu acesso à cultura, apenas introduz um elemento de conflito no seio da elite letrada, que coincide com a crise da economia colonial, no final do século. A participação de letrados nas primeiras lutas pela independência é um fato relevante. A resposta da classe dominante é a repressão em todos os planos, não sendo acidental que, após a expulsão dos jesuítas, o governo colonial estabeleça pela primeira e única vez na história do Brasil o breve período de monopólio estatal do ensino, que a primeira constituição independente (1824) suprimirá.
Não é, porém, o fato político da independência o que irá assentar as bases para uma progressiva mudança no plano educativo, mas sim a transformação da estrutura econômica, representada pela translação do centro de gravidade da economia brasileira ao centro-sul, com base no cultivo do café. Aparecendo já em 1830, este cultivo somente ganhará peso na produção brasileira na metade do século, precisamente quando o regime de trabalho escravo recebia seu primeiro golpe mortal, com a proibição do tráfico, que se completará em 1888, com a abolição da escravidão. Enquanto isso a população escrava, entregue à sua própria reprodução e concentrada em grande medida nas zonas decadentes do nordeste açucareiro, perderia progressivamente importância frente o crescimento da população trabalhadora livre, sujeita a regimes variados de contratação, que tendiam, contudo, a conformar uma base real de trabalho assalariado. Começava assim o trânsito do país a uma economia capitalista plena, que levaria ainda tempo para se expressar no plano político e acabar com a dominação da oligarquia açucareira. Neste lapso, a educação superior segue regida pelo padrão colonial, ainda que se possa observar, desde a segunda metade da década, o surgimento de algumas instituições superiores – faculdades de direito, em geral –, enquanto ganha impulso a formação militar, de caráter mais técnico (aqui começa o ensino de engenharia), da qual se beneficiam principalmente as camadas médias.
É precisamente essa nova elite militar a que servirá de ponta de lança para golpear politicamente a oligarquia açucareira e forçá-la a aceitar uma aliança com a burguesia do café, que não tardará em assumir a hegemonia. O Estado muda de pele, a República toma o lugar do Império. Com isso, precipitam-se as transformações do aparato do Estado. Entre elas, está a criação do Ministério de Educação, Correio e Telégrafos, mais tarde convertido em Ministério de Educação e Justiça.
Ainda que importantes, as modificações verificadas no marco da Primeira República (1889-1930) não revolucionam a base real da sociedade brasileira; na verdade, tais mudanças abrem passo para a afirmação plena dos traços que já se desenvolviam desde mediados do século passado, sobre os quais se havia gestado a moderna economia exportadora, de corte capitalista. O sistema produtivo segue repousado no regime de incorporação de novas terras e de mais força de trabalho, mediante imigração. A economia mantém seu caráter marcadamente agrário, e o desenvolvimento industrial, de base essencialmente artesanal, continua estancado pela própria forma de articulação da economia nacional com o mercado mundial, ou seja, o esquema simples de dependência: exportação de matérias-primas e alimentos e importação de manufaturas. Como conseqüência, a urbanização mantém também um ritmo lento e, com ela, a formação gradual das classes médias urbanas, tanto proprietárias (artesãos, pequenos industriais e comerciantes) como não proprietárias (funcionários, empregados).
O regime republicano, por esta mesma razão, tende a assumir a forma oligárquica. A tentativa das camadas médias urbanas, encabeçadas pela oficialidade jovem, de assumir um papel decisivo no plano do Estado, logo se vê obstaculizada pela aliança estabelecida entre a velha oligarquia açucareira e a nova burguesia do café. Desalojadas da condução do bloco republicano em 1893, os setores médios tentarão ingressar na luta política e jogarão suas cartas na chamada campanha civilista de 1910, pela qual buscam impedir a consolidação do bloco burguês-oligárquico, que se apoiava na alta oficialidade do exército. Sua derrota significa a proscrição da vida política por um longo período e lhes fará desembocar, na década de 1920, conduzidas sempre pela oficialidade jovem – os “tenentes” –, numa tática insurrecional que agitará o país e preparará as condições para a Revolução de 1930.
Entende-se assim porque as mudanças introduzidas pela Primeira República no plano educativo tenham sido limitadas. Mesmo que tenha ocorrido a separação entre a igreja e o Estado, isto somente repercutiu nas escolas primárias públicas, que eram a minoria, ao se suprimir o ensino religioso. O sistema educativo primário e médio segue em sua imensa maioria em mãos de particulares, principalmente a igreja, além de se descentralizar, escapando à esfera do governo federal. Não se verifica, pois, a formação de um sistema educativo nacional integrado, e nem sequer de uma legislação que oriente a educação em todo o país. A educação superior segue se desenvolvendo sob a forma de instituições isoladas, faculdades de direito em sua maioria, que proporcionam ao país os administradores, juristas e políticos, e observa-se também o surgimento das primeiras escolas de medicina.
Isso explica o porquê do movimento reformista de Córdoba, que teve tanta influência em muitos países da América Latina, tenha repercutido pouco no Brasil. A derrota das camadas médias a que fizemos alusão foi sem dúvida um fator decisivo para que isso ocorresse. Ainda assim, o problema educativo se coloca já para as camadas médias, dando lugar à tentativa de formação de universidades (a Universidade do Rio de Janeiro, em 1929, e a Universidade de Minas Gerais, em 1927), que eram, de fato, um mero agregado de instituições isoladas. Mais importante é o debate educativo em torno aos métodos e conteúdos da educação, particularmente a educação média, que se expressou na corrente da escola nova, e algumas reformas levadas a cabo nos Estados, em especial a que teve lugar em Minas Gerais, também referidas ao nível médio e elementar.
As grandes transformações no campo educativo surgirão à raiz da Revolução de 1930. Esta corresponde à ascensão ao poder das camadas médias burguesas, comercial e industrial, ligadas ao mercado interno, em aliança com as antigas classes dominantes. Este é o esquema de relações de classe que prevalece, após um período de turbulência política, ao chegar a Revolução de 1930 a seu verdadeiro resultado: o Estado Novo, nascido do golpe de 1937, sob a condução de Getúlio Vargas.
Abrigando em sua roupagem ideológica e em seus métodos de governos muitos elementos do fascismo italiano, o Estado Novo tem com o regime mussoliniano apenas uma semelhança formal. Antecipa, em alguns traços, o justicialismo peronista[3], que se implantará na década seguinte na Argentina, e se identifica com muitas tentativas de estruturação do moderno Estado latino-americano em outros países do continente. Sua característica essencial é a de ser o marco no qual se estabelece a aliança entre a burguesia industrial e a burguesia latifundiária, isto é, entre a classe que hegemoniza os setores ligados ao mercado interno e a que representa os interesses dos grupos ligados à exportação. Neste marco, se estabelecem relações de compromisso e subordinação no que diz respeito à pequena burguesia urbana, por um lado, e a classe operária, por outro, que servem ao regime corporativo ideado pelo fascismo italiano. É então que se dá a criação da moderna organização sindical brasileira, estreitamente subordinada ao Estado, e que busca transcender o âmbito operário para se estender à pequena burguesia urbana. Vale recordar, neste sentido, a criação de um sindicato nacional estudantil, a União Nacional de Estudantes, em 1938, que desempenharia um papel relevante nas lutas educativas e políticas no futuro.
No processo de criação de um Estado capitalista moderno, a revolução de 1930 não descuida do campo educativo. Com a criação, em 1930, do Ministério de Educação e Saúde (mais tarde, de Educação e Cultura), assiste-se à formação de sistema educativo nacional, altamente centralizado. Promove-se a educação primária; reestrutura-se o ensino  médio, com as reformas de 1931 (que restabelece o religioso nas escolas públicas, com caráter facultativo) e de 1942, e se estrutura um importante sistema de formação profissional, que assegura a oferta de mão-de-obra qualificada e semi-qualificada que a industrialização requeria.
A partir de 1931, cria-se um sistema universitário nacional, com autonomia didática e administrativa. Reformam-se as antigas universidades criadas na década anterior, particularmente as de Minas Gerais e do Rio de Janeiro; esta se transforma em 1938 no que seria a cabeça do sistema universitário brasileiro: a Universidade do Brasil. Em 1934 se funda a Universidade de São Paulo e, em 1935, a do Distrito Federal; em São Paulo se verifica também, em 1932, a criação da Escola Livre de Sociologia e Política, pioneira no estudo das ciências sociais no Brasil.
O sistema de educação superior surgia, então, no contexto da transformação do antigo Brasil agrário e exportador ao Brasil industrial de nossos dias. Seu percurso estará ligado ao desenvolvimento econômico e político dessa nova realidade, e se caracterizará por um crescimento anárquico que transborda os marcos estabelecidos no período do Estado Novo, sem que novos estatutos legais lhe venham a dar coerência. Somente em 1961 se aprova uma lei global, a de Diretrizes e Bases da Educação, fruto das lutas políticas que durante mais de vinte anos haviam sacudido o país. No entanto, sua vigência foi curta, posto que o golpe militar de 1964, que culmina o agitado período que vive o Brasil a partir de 1950, levará a profundas transformações institucionais no país, inclusive no campo educativo.
Um breve repasso no que ocorreu no Brasil no período prévio a 1964 nos mostra, inicialmente, uma forte expansão da matrícula. No nível primário, entre 1948 e 1965, o crescimento havia sido relativamente alto; em 1964, 90% da população correspondente já recebiam atenção, ainda que sua eficiência fosse muito baixa. O ensino médio, em consonância com o que acontecia em toda a América Latina, crescia a um ritmo ainda mais acelerado, alcançando 257%, mas mantinha o tradicional predomínio da escola privada (64% do total). Um fenômeno oposto se observava no nível superior, onde, junto com o crescimento da matrícula, o ensino público seguia sendo majoritário.
Entre as tendências mais relevantes do período, é preciso destacar a relevância que começa a adquirir, a partir dos anos 1960, o tema da formação de recursos humanos. O primeiro plano educativo nacional (1963-1965) colocava especial ênfase neste aspecto. Igualmente, desenvolvem-se os estudos de economia e ciências sociais em geral. Suas expressões no nível superior foram particularmente relevantes no Instituto de Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado em 1957, e na Universidade de Brasília (UnB), que começa a funcionar em 1962; ambas instituições tiveram a característica de se colocar fora do esquema formal universitário, para escapar de sua rigidez, e jogaram um papel decisivo no processo ideológico que acompanhou o auge e a crise da industrialização substitutiva de importações no país, com os fenômenos políticos correlativos: o nacionalismo e o populismo.
Finalmente, é necessário assinalar o desenvolvimento e a importância política que teve o movimento estudantil, liderado pela UNE, no período da pós-guerra, que fizeram desse movimento uma das grandes formas políticas na crise de princípios dos anos 1960. Atuando ativamente nas grandes campanhas nacionais, particularmente na luta pela nacionalização do petróleo; assumindo as causas mais avançadas, como a defesa da Revolução Cubana; lançando iniciativas ousadas, como a campanha de alfabetização, no período presidencial de João Goulart, a UNE desempenhou um papel importante no processo político brasileiro daquele período. Este processo, ao arrastar amplas camadas da população urbana e rural ao centro da vida política, levou as classes dominantes e o imperialismo estadunidense à solução contra-revolucionária, expressa no golpe militar de 1964.
 As convulsões políticas que sacodem o Brasil desde a década de 1950 desembocam finalmente no golpe de Estado de 1° de abril de 1964, que dá lugar à formação do atual regime tecnocrático-militar, ao que se encontra submetido o país. Através do Estado Militar, o grande capital nacional e estrangeiro assume a plena hegemonia política sobre a sociedade em seu conjunto e se impõe a tarefa de reestruturá-la em seu próprio benefício. Isso gera profundas alterações institucionais, mudanças radicais na estrutura econômica, deslocamentos nas alianças e relações de classes, que se estendem até 1968 e permitem, a partir desta data, edificar de maneira acelerada a moderna sociedade brasileira (Marini, 1974).
Em relação à educação superior, a ditadura militar se move, em sua primeira fase, isto é, até 1968, em dois sentidos: busca dominar o movimento estudantil, que tinha ganho no período anterior grande capacidade de mobilização e havia desempenhado um papel destacado no processo político que precedeu o golpe de Estado; e pretende estabelecer novos lineamentos para as estruturas educativas, com o fim de adequá-las aos novos objetivos econômicos e políticos do regime do grande capital.
A luta contra o movimento estudantil adquire um caráter claramente repressivo. Além de ilegalizar suas organizações, em particular a UNE, durante todo o período o regime perseguirá os dirigentes e quadros políticos estudantis. Em 1965 se edita a Lei Suplicy, que recebe seu nome do então ministro de Educação, e que planeja uma nova estrutura organizativa para os estudantes, eminentemente apolítica e centrada em questões estritamente culturais e recreativas dos grêmios estudantis.
Paralelamente se estabelecem os acordos MEC-USAID – entre o Ministério de Educação e Cultura e a Agência Internacional para o Desenvolvimento Norte-Americano –, destinados a reorganizar a estrutura educativa superior do país. Tais acordos nunca se tornaram públicos e são conhecidos principalmente pelos seus resultados. No fundamental, como mais tarde se veria, estavam centrados na concepção de uma educação funcional e rentável, que converteria a universidade numa fábrica de recursos humanos para a economia capitalista brasileira, tal como a queria conformar os grandes monopólios nacionais e estrangeiros.
Reorganizada na clandestinidade, a UNE dirigiu durante todo esse período a luta dos estudantes contra os dois objetivos levantados pelos militares. Ainda que dentro das formas legais de luta estabelecidas pela Lei Suplicy, a UNE se manifestou pela sua revogação, ao mesmo tempo em que se erguia contra as tentativas governamentais de implementar as medidas derivadas dos acordos MEC-USAID. Neste sentido, a UNE lutou pela gratuidade do ensino; a ampliação da matrícula, com supressão dos exames de ingresso à universidade; a manutenção dos restaurantes universitários, que beneficiavam principalmente os estudantes que contavam com poucos recursos; e o aumento do gasto público para a educação. Simultaneamente, vinculando a luta específica dos estudantes com os interesses populares em geral, a UNE participou ativamente na luta pela defesa das liberdades democráticas, contra a penetração imperialista na economia do país, contra as campanhas de esterilização massiva praticada entre os camponeses por agências governamentais, com assessoria norte-americana, etc.
 Dessa forma, o movimento estudantil ganhou um lugar destacado entre as forças anti-ditatoriais. Estas forças, incorporando a classe operária e os camponeses, amplos setores da pequena burguesia e inclusive frações burguesas deslocadas, ganharam as ruas em 1968. A amplitude do movimento e o vigor das mobilizações sacudiram o regime militar. A resposta do governo foi a contra-ofensiva a fundo, mediante o Ato Institucional número 5 de 13 de dezembro, que suspendia o Congresso, retirava os direitos individuais mais elementares e colocava nas mãos do Estado poderes discricionários como nenhum outro regime anterior teve no país.
Desde finais de 1968 se assiste à reorganização do sistema educativo. Entre as medidas básicas a destacar está a Lei 5.540, de 28 de novembro, que preparava a reestruturação da educação superior, e que se completou com o Decreto-Lei número 464, de 11 de fevereiro de 1969, que suprimiu praticamente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1961) então vigente. No marco da nova legislação foram concedias amplas facilidades aos particulares para a criação de escolas e cursos isolados, manteve-se o sistema de exame de ingresso ao ensino superior e se dava prioridade absoluta à educação científica e técnica.
Naquele mesmo mês, o governo editou o Decreto-Lei número 477, que definia os delitos políticos nas universidades e estabelecia sanções para os mesmos. Mediante processos sumários, os professores considerados culpados ficariam impedidos de oferecer ensino em qualquer escola por um prazo de cinco anos, e os estudantes ficavam proibidos de se matricularem numa instituição de ensino superior no prazo de três anos. Recordemos, finalmente, que em setembro de 1969, por Decreto-Lei número 869, se tornou obrigatória, em todos os níveis de ensino, a Educação Moral e Cívica, inclusive nos cursos de pós-graduação, onde era dada sob a denominação de Estudos de Problemas Brasileiros.
Este é, no essencial, o marco jurídico no qual se desenvolve a educação superior brasileira, sob o atual regime militar. Trataremos, agora, de analisar seus resultados em função das linhas básicas que orientam o pensamento governamental nessa matéria.
Tais linhas podem se resumir em três: primeiro, o liberalismo, no sentido clássico de que o Estado exerce um papel normativo, deixando em mãos da empresa privada as iniciativas relacionadas à educação; segundo, o desenvolvimentismo, isto é, a ênfase na educação como fator decisivo no processo de desenvolvimento econômico; e terceira, o doutrinarismo, em cuja perspectiva a educação aparece como um elemento integrante da defesa da segurança nacional.
 O liberalismo em matéria educativa, praticado pelo regime militar, se manifesta: a) na entrega da educação superior à empresa privada, o que conduz à privatização do ensino e converte o ensino em negócio; b) liberação da matrícula, que somente encontra limites na capacidade do capital privado para criar oportunidades de ensino e na capacidade dos estudantes em  aproveitá-las (entende-se aqui que essa capacidade é tanto intelectual como sócio-econômica); e c) na adequação entre a oferta e demanda da mão-de-obra técnica e profissional segundo o jogo do livre mercado.
É assim como podemos entender que, entre 1964 e 1973, as instituições privadas de ensino superior tenham passado de 38% do total a 61%; para 1976 se estimou que 74% das escolas superiores são privadas e somente 26% públicas (ver quadro I).
QUADRO I
PORCENTAGEM DE PARTICIPAÇÃO DE INSTITUIÇÕES PÚBLICAS E PRIVADAS NA MATRÍCULA DE NÍVEL SUPERIOR (1964-1973)


Ano
Instituições públicas
Instituições privadas


1964
61.5
38.5
1965
56.2
43.8
1966
54.6
45.4
1967
56.9
43.1
1968
55.2
44.8
1969
53.9
46.1
1970
49.5
50.5
1971
44.9
55.1
1972
40.3
59.7
1973
39.1
60.9


FONTE: Departamento de Assuntos Universitários (DAU). Ministério de Educação e Cultura (MEC) - Brasil.


Isso tem importantes conseqüências:
a) uma porcentagem significativa dos cursos (30% do total) são irregulares ou não reconhecidos oficialmente, o que dificulta a inserção dos egressos no mercado de trabalho (ver quadro II).
QUADRO II
CURSOS DE NÍVEL SUPERIOR IRREGULARES E NÃO RECONHECIDOS OFICIALMENTE (1974)



Total
Regulares
Irregulares  e não reconhecidas
%


Universidades privadas
450
352
98
22
Universidades Federais
710
511
199
28
Universidades estatais
178
136
42
23
Universidades municipais
20
11
9
45
Escolas Isoladas federais
42
33
9
21
Escolas Isoladas não federais
1 974
1 326
648
33
TOTAL:
3 374
2 369
1 005
30


FONTE: Departamento de Assuntos Universitários (DAU). Ministério de Educação e Cultura (MEC) - Brasil.

b) a qualidade do ensino se deteriora, o que se pode estimar pelo fato de que, entre 1966 e 1973, enquanto a matrícula do ensino superior cresceu 797%, o número de professores aumentou apenas 194%. Trata-se de um fenômeno que tende a se agravar: em 1960, a relação aluno/professor no ensino superior era de 4.4, enquanto que em 1973 é de 13.1; paralelamente, enquanto o número de estudantes cresceu a uma taxa anual de 10.8 entre 1960 e 1965, de 21.4 entre 1965 e 1968 e de 23.9 entre 1968-1973, o número de professores aumentou em 9.5, 10.5 e 6.8 respectivamente (ver gráfico I). 
Description: http://www.anuies.mx/servicios/p_anuies/publicaciones/revsup/res022/022_0641.gif

c) As possibilidades de matrícula que cria o sistema educativo não podem ser aproveitadas, o que se revela nos grandes centros: em 1974, 25% do total de vagas para a educação superior no país não foram ocupados, proporção que na cidade de São Paulo chegou a 41%. Isso se deve ao custo dos estudos, à saturação do mercado de trabalho em certas carreiras, à situação irregular de muitos dos cursos oferecidos e à baixa qualidade do ensino (ver quadro III).
QUADRO III
VAGAS NÃO OCUPADAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR (1974)



Cursos superiores
Vagas oferecidas
Vagas não ocupadas
%


São Paulo
1 025
134 915
56 367
41
Rio de Janeiro
407
36 136
4 546
12.5
Minas Gerais
404
27 887
7 141
25.6
Brasil
3 374
304 887
76 498
25


FOENTE: Departamento de Assuntos Universitários (DAU). Ministério de Educação e Cultura (MEC) - Brasil.


A escassez de professores é particularmente marcada no setor privado do sistema educativo: em 1972, o setor público absorvia 56% do total de professores e 82% dos professores de tempo completo. No setor público federal, que está em melhores condições, em 1973, 35% dos professores ali empregados eram de tempo completo e 65% de 24 horas semanais.
Já foi apontado que o liberalismo do regime militar brasileiro em matéria educativa implica a liberação da matrícula nas instituições de ensino superior. Isso se traduziu num incremento espetacular da mesma, posto que em dez anos, entre 1963 e 1973, cresceu mais de 550%. E o fez em sentido progressivo: em 1963-68, a taxa média anual de crescimento foi de 17.5 e, em 1968-73, de 23.9. Estas cifras, que são exibidas com orgulho pelo regime, além de acarretar em problemas como os indicamos anteriormente, ocultam, particularidades que devemos apontar. Como vimos, é o setor educativo privado que apresenta as condições menos adequadas e que tem absorvido a maior parte do crescimento, em detrimento do setor público, em especial das instituições federais, que concentravam, em 1966, 45% do total das matrículas, reduziram sua participação a 24% em 1972 e deverão diminuir esta cifra ainda mais, uma vez que, para 1976, o governo finalmente conseguiu implementar o sistema de ensino pago, por mediação do Programa de Crédito Escolar.
Por outra parte, o grande aumento da capacidade de matrícula que se verificou no sistema educativo ainda não atende a demanda real de educação superior. Em 1966 se apresentaram ao exame vestibular em todo o país 144 mil candidatos, dos quais somente 69 mil, isto é, 47%, obtiveram inscrição; em 1968 foram 228 mil candidatos e 102 mil inscritos (44%); e, em 1972, houve 408 mil candidatos e 221 mil inscritos (54%). Convém ter presente que a diminuição relativa dos reprovados que se observa no último período corresponde, em termos reais, a um aumento, se trabalhamos com dados absolutos, uma vez que, em 1966, foram rechaçados 75 mil estudantes e, em 1972, foram 187 mil. Além disso, o fenômeno é desigual se o consideramos por regiões e cursos; assim, para medicina, em 1976, havia uma proporção de candidato/vaga de 34.5 em São Paulo, enquanto no Rio de Janeiro esta relação era de 7.2 (ver quadro IV).
QUADRO IV
VAGAS OFERECIDAS NAS ESCOLAS DE MEDICINA (1976)



Candidatos
Vagas
Candidatos/vaga


São Paulo
23 848
691
34.5
Rio de Janeiro (1975)
11 847
1 653
7.2
Belo Horizonte
7 273
390
18.6
Salvador
4 618
335
13.7
Porto Alegre
4 430
286
15.5
Recife
3 872
470
8.2
Curitiba
3 624
205
17.6


FONTE: Revista VEJA, Núm. 384, 14 de janeiro 1976, p. 66.


Apesar do aumento da matrícula, o ensino superior segue sendo altamente discriminatório em relação às classes populares, uma vez que, segundo os dados disponíveis, cerca de 80% dos estudantes desse nível pertencem às classes alta e média, sendo possível supor que, dos outros 20%, boa parte corresponde à pequena burguesia pobre. Isso se deve aos custos do ensino, que são conseqüência da expansão da iniciativa privada em matéria educativa e se agravam com o sistema de exame vestibular para entrada na universidade. De fato, este sistema tem dado lugar a uma nova faixa de comércio educativo: os chamados cursinhos, que substituíram o curso preparatório, suprimido pela reforma de 1942, como método informal de acesso ao ensino superior. Existem empresas privadas que mantém cursinhos com até 20 mil alunos inscritos, com filiais em diversas cidades. O custo do cursinho para o estudante foi estimado em 400 cruzeiros mensais (36 dólares aproximadamente)[4], no início de 1976, para cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.
 Finalmente, como uma terceira conseqüência da liberação da matrícula nos marcos de um ensino superior privatizado, observa-se que tal matrícula sofre fortes deformações, que a afastam consideravelmente da estrutura da demanda de mão-de-obra que prevalece no mercado de trabalho. É assim com a taxa anual de crescimento global da educação superior, que foi de 10.8% no período de 1960-65 e de 23.7% no período de 1965-72, e teve seu aumento fortemente influenciado por cursos como os de filosofia, ciências e letras, cuja taxa de crescimento passou de 12.2% no primeiro período para 25.9% no segundo; no curso de direito, este crescimento foi de 7.6% para 12.8%, enquanto que em medicina passou de 8.6% para 11.2%. Inversamente, nos mesmos períodos considerados, a matrícula em agricultura diminuiu de 17.8% a 4.7%, e de engenharia foi de 15.2% a 9.5%. Em termos globais, se analisamos a estrutura da matrícula no ensino superior para o ano de 1972, observamos que 54% se encontram na área de ciências sociais e humanas (que inclui direito), 12% em letras e artes, enquanto na área de ciências exatas e tecnológicas é de apenas 18% e nos cursos de ciências biomédicas de 15%. Trocando em miúdos, a matrícula cresceu nos cursos com menor demanda no mercado, mas que apresentam, para os empresários da educação, menores custos em termos de instalações, ajudas didáticas, etc.
  Já é possível observar os efeitos dessa política. O quadro V, apresentado a seguir, mostra claramente como não existe relação entre os graduados em cada curso e as necessidades do mercado de trabalho, seja real ou potencial. Vemos, por exemplo, que em 1975 três cursos representam mais da metade (52.05%) dos graduados: Letras (26.88%), Pedagogia (13.34%), e Direito (11.83%) – ver quadro V.
QUADRO V
EGRESOS A NÍVEL SUPERIOR (1975)


Curso
Graduados


Administração de Empresas
11 144
Agronomia
1 811
Arquitetura e Urbanismo
1 030
Artes Plásticas
1 614
Ciências
4 086
Ciências Contábeis
3 406
Ciências Econômicas
6 857
Ciências Sociais
2 393
Comunicação Social
2 217
Direito
17 059
Educação Física
4 805
Enfermagem
1 216
Estudos Sociais
5 512
Farmácia
1 640
Filosofia
936
História
3 130
Engenharia Civil
4 725
Letras
38 735
Medicina
8 567
Pedagogia
19 229
Psicologia
3 114
Química
841


FONTE: Departamento de Assuntos Universitários (DAU). Ministério de Educação e Cultura (MEC) - Brasil.


Outra tendência que orienta a atual política educativa no Brasil, a desenvolvimentista, merece também algumas observações.
Inicialmente, cabe ressaltar que o caos que a iniciativa privada introduziu no ensino superior contradiz, em grande medida, as prioridades estabelecidas pelo Plano de Educação, no sentido de formar principalmente recursos humanos na área de ciência e tecnologia. Isso não implica que tal formação não ocorra e que, inclusive, gere situações que merecem atenção, como o fato de que, em parte, a formação da mão-de-obra técnica, cuja demanda tem aumentado em função do próprio desenvolvimento industrial, é atendida mediante cursos de curta duração, cursos que não representam, em muitos casos, algo diferente de simulações de cursos universitários e que deveriam ser ministrados fora da área universitária, na esfera do ensino médio e vocacional – por outra parte, ao serem cursos técnicos fecham ao estudante a possibilidade de ascender a uma verdadeira formação universitária, criando sub-profissionais vitalícios.
No outro extremo, encontramos o incentivo aos cursos de pós-graduação, que tratam de compensar as insuficiências e o desprestígio que afetam o nível de graduação, mediante a criação do que se poderia chamar de ultra-universidade, marcada pelo elitismo e pela super-especialização. Em 1971, por exemplo, havia pouco menos de 8 mil estudantes matriculados nos cursos de mestrado e doutorado, o que correspondia a 1.4% das matrículas na graduação. A maior parte se concentrava em ciências exatas e tecnologia (60% do total dos estudantes de pós-graduação, que correspondia a 6.2% dos estudantes de graduação nesta área), registrando-se, porém, aberrações, como o fato de que 54% dos estudantes de doutorado se encontravam no curso de direito.
Finalmente, a inserção da educação na política de segurança nacional implica que a Universidade brasileira tenha sido colocada sob estrito controle policial e submetida à mais severa repressão. Citamos já o Decreto-Lei número 477, que constitui a peça fundamental da legislação repressiva aplicada à universidade. Sobre esta base, surgiu nas instituições superiores um regime de infiltração policial e de delatores, que se completa com a estreita colaboração estabelecida entre as autoridades universitárias e os órgãos repressivos, que chega ao controle minucioso de todas as atividades realizadas nas universidades, inclusive os congressos científicos e as sessões de cine-clube. Por outra parte, mantém-se a perseguição aos quadros estudantis, que chegou ao assassinato de seus dirigentes mais destacados, como ocorreu, entre outros casos, a Honestino Monteiro Guimarães, presidente da UNE, que morreu sendo torturado num quartel em Brasília entre 1963 e 1964.
E a universidade é vista também como um fator de doutrinamento dos jovens, processo que se inicia na escola primária e segue até os cursos de pós-graduação, principalmente através da linha de ensino que compreende a Educação Moral e Cívica e seu correspondente universitário, os Estudos de Problemas Brasileiros. Para implementar esta linha foi criada uma Comissão Nacional de Moral e Civismo, diretamente ligada ao Ministério de Educação. Alguns dos textos que servem de base ao ensino da disciplina são altamente significativos, no que se refere à ideologia conservadora, chauvinista e agressiva que se trata de inculcar na juventude brasileira.
Após o golpe de 1964, o grande capital nacional e estrangeiro conseguiu impor, sem travas, sua dominação ao conjunto da sociedade brasileira. Abrindo as portas da economia à penetração dos investimentos estrangeiros, a burguesia nacional orientou o desenvolvimento capitalista do país a uma industrialização acelerada que, ao centrar a produção no mercado exterior, divorcia a capacidade de produção das necessidades de consumo das amplas massas. Os trabalhadores foram privados do direito de organização e de greve, proscritos da vida política e submetidos à mais impiedosa exploração.
O funcionamento desse sistema econômico, que extrema as condições de dependência e miséria das economias latino-americanas, exigiu um Estado ditatorial, no qual um reduzido setor tecnocrático, civil e militar, se encontra diretamente vinculado aos representantes do grande capital. Esse Estado não é uma superestrutura isolada, imposta simplesmente pela força, mas sim o cume de um sistema de dominação renovado, que removeu e transformou todas as instituições que o compõe. Entre elas, a universidade.
Neste marco, a universidade brasileira, seguindo a tendência da sociedade na qual se encontra inserida, acentua até o limite as funções próprias da universidade burguesa. A universidade brasileira não cumpre simplesmente a tarefa de reproduzir a divisão do trabalho manual e intelectual, assim como de transmitir aos jovens valores da ideologia burguesa: é em si mesma parte do aparato estatal, contribuindo diretamente ao exercício da política repressiva e identificando os conteúdos que transmite com a ideologia dominante, camuflada de segurança nacional. A universidade brasileira não é apenas um dos meios que a burguesia utiliza para formar a mão-de-obra qualificada requerida pela reprodução de capital: converte-se também em campo para a reprodução do próprio capital, em área de investimento da empresa privada. A universidade brasileira, ao refletir o esquema de alianças de classes peculiar ao regime tecnocrático-militar, não somente abre espaço para que se afirmem as pretensões de promoção social da pequena burguesia, como também destaca desta camada social um setor privilegiado, ao mesmo tempo que, mediante a massificação e a degradação do ensino, leva as massas pequeno-burguesas cultas à proletarização.
Expressão fiel da sociedade a qual pertence, a universidade brasileira persegue seus objetivos criando e acentuando contradições; fixa prioridades que a tornam funcional às necessidades do mercado de trabalho capitalista e, ademais, translada ao seu próprio centro, ao se abrir para os investimentos privados, a anarquia característica que sustenta esse mercado. Desenvolve traços elitistas, tendentes à ultra-universidade, como também provoca o crescimento massivo e tumultuado de seus integrantes, ao mesmo tempo em que rebaixa continuamente a qualidade do ensino. Tanto pretende ser um centro de enquadramento ideológico, como estimula o descontentamento e aversão por parte dos jovens em relação ao regime econômico e político que expressa, ao permitir vislumbrar as possibilidades da ciência e da cultura.
É assim como a universidade brasileira cumpre os objetivos que lhe foram destinados pela classe dominante e seu Estado, desperdiçando jovens para elaborar um produto específico – a força de trabalho reduzida, mas altamente qualificada, que necessita o capital –; concentrando massas crescentes de estudantes para levar a cabo sua formação elitista e ultra-especializada; deixando a juventude entrever os amplos horizontes da ciência e da cultura para tratar de impor os conteúdos rígidos da ideologia da classe dominante.
 A universidade brasileira leva em seu interior sua própria crise. Na medida em que, tal como os demais elementos que conformam o sistema de dominação no Brasil, está inserida no aparato do Estado, a crise da universidade é também a crise do Estado tecnocrático-brasileiro. O imperativo de sua transformação transcende, pois, a massa estudantil universitária e se converte em tarefa das forças sociais que trabalham por uma sociedade de liberdade, bem-estar e justiça.

FONTES

ALTHUSSER, L. Idéologie et appareils idéologiques d'etat, Paris, La Pensée, 1970. [Edição brasileira: Aparelhos ideológicos de Estado, 11° edição, Rio de Janeiro, Graal, 2010.]
AZEVEDO, Fernando de. A Cultura Brasileira, 4a. ed., Sao Paulo, Ediçoes Melhoramentos, 1964.
MARINI, R. M. El Reformismo y la contrarrevolución. Estudios sobre Chile, México, Editorial Era, 1976.
“Acerca de la Universidad Latinoamericana”, entrevista a la Revista Síntesis, México, N° 5, enero de 1973.
Subdesarrollo y revolución, 5a. ed., México, Siglo XXI, 1974.
SUCUPIRA, Newton. Aspectos da organização e funcionamento da educação brasileira (Relatório apresentado na XXIV Sessão da Conferencia Internacional de Educação realizada em Genebra), Brasília, Ministério de Educação e Cultura, 1974.

NOTA: Os dados relativos à Educação Superior no Brasil foram tomados de relatórios do Departamento de Assuntos Universitários do Ministério de Educação e Cultura (DAUMEC).



 Texto publicado originalmente na Revista de Educación Superior, n°22, México, Abril-Junho, 1977. A tradução do espanhol ao português é de Fernando Correa Prado, com revisão de Rodrigo Castelo Branco e Vitor Hugo Tonin.
[1] Usada por Marx em 18 de Brumário de Luis Bonaparte para caracterizar o regime estabelecido em 1851 na França, o conceito de “bonapartismo” seguiu vigente para representar um Estado que supostamente estaria acima das classes sociais, em geral comandado por uma figura política ímpar, que se colocaria como árbitro das disputas entre as classes. Em Socialismo o fascismo: dilema latinoamericano (Prensa Latinoamericana, Santiago de Chile, 1969, p. 125), Theotonio dos Santos define este conceito da seguinte forma: “El bonapartismo puede ser conceptualizado, en un modelo abstracto, como un régimen de fuerza, aperientemente por encima de las clases sociales, dominado por un ‘jefe’ militar o civil, y una burocracia que disfruta de una independencia relativa que le permite contar con la clase dominante. Su principal objetivo es la conservación del orden existente, anteriormente amenazado. Representa un estado provisorio de equilibrio de fuerzas en las clases en choque. En él se acumulan las fuerzas de esas clases hasta que el equilibrio se rompe en favor de una de ellas. Podemos distinguir dos modelos básicos de bonapartismo: progresista y conservador [...]”. [N.T.]
[2] Período de 1876 a 1911, no qual o general Porfirio Díaz governou o México e cujo fim se deu com a Revolução Mexicana. [N.T.]
[3] Denominação derivada do Movimento Nacional Justicialista, que deu origem, em 1947, ao Partido Justicialista, cujo principal líder foi Juan Domingo Perón. [N.T.]
[4] Em valores atuais, isso equivale, aproximadamente, a 150 dólares, ou seja, 265 reais. [N.T.]