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Ruínas Estéticas


Hegel afirma, em suas Lições sobre a filosofia da história, que os persas foram o primeiro povo a entrar na história “porque a Pérsia é o primeiro império que desapareceu” deixando atrás de si a mobilidade e a inquietude do que só pode se exprimir como ruínas.
Tais colocações são interessantes por nos lembrarem o que exatamente são ruínas. Elas não são simplesmente os restos do que um dia esteve presente no passado. Elas são as provas de que o passado sempre esteve animado por uma estranha instabilidade, inquietude que faz com que nada subsista completamente.
De uma certa forma, se a Pérsia é o primeiro povo histórico que desapareceu é porque o que eles construíram já era, desde o início, ruínas. Seu material já era o efêmero, o transitório, o fugidio.
Esta é uma maneira interessante de introduzir a questão: por que a arte moderna é assombrada pelas ruínas? Por que ela parece sempre ter que dar conta de linguagens arruinadas e gastas? Se um dos sonhos modernistas por excelência foi, muitas vezes, a procura do acontecimento gerador de uma ruptura absoluta (na música, o melhor exemplo, é Schoenberg e o dodecafonismo), há de se perguntar por que este sonho nunca parece vir sem seu pesadelo: o pesadelo de uma linguagem arruinada que nunca morre, linguagem que tira de algum lugar estranho e a força de não querer morrer.
Talvez possamos colocar esta pergunta lembrando de uma afirmação de Theodor Adorno: “Não há dúvidas de que a história da música é uma progressiva racionalização (…) Não obstante, a racionalização é apenas um de seus aspectos sociais, assim como a racionalidade ela própria. (…) No interior da evolução total de que participou através da progressiva  racionalidade, a música foi também, e sempre, a voz do que ficara para trás, ou do que fora vítima”.
Comecemos por nos perguntar o que pode ser uma linguagem estética arruinada. Tal como uma construção em ruínas, uma linguagem arruinada é aquela na qual não é mais possível morar, seus pilares estão quebrados, seu tempo já passou. Levando em conta apenas o aspecto técnico, é claro que podemos, por exemplo, compor atualmente uma sonata como Haydn ou uma sinfonia como Schubert.
No entanto, isto não fará mais sentido do ponto de vista do estado atual da gramática musical porque a ordem trazida pelo classicismo e pelo romantismo já não é mais capaz de sustentar seus acordos. Ninguém toca hoje um acorde perfeito impunemente. No entanto, isto não parece impedir a arte mais avançada do século 20 de procurar absorver restos destas linguagens que já não têm mais seu próprio tempo ou, como dizia Adorno, de ser a voz do que ficara para trás.
Não se trata aqui de um mero movimento de regressão. Na verdade, estamos diante da estetização da consciência de que nosso mundo é feito de palavras que perdem força, de figuras em desaparecimento, de formas que envelhecem, mas que continuam, ainda, a mobilizar nossos desejos, um pouco como esses objetos infantis que guardamos, como se eles fornecessem uma cartografia das estações pelas quais nossas promessas de felicidade passaram.