Rumos e críticas da nova práxis
Um novo debate se incendeia após esta nova maré de marchas e protestos, uma proliferação de causas nas ruas proletárias, e nos concretos cibernéticos. Um novo tempo, onde se transmuta do campo revolucionário árabe ou europeu e passa para a realidade nacional uma explosão de movimentos contestatórios.
As questões pertinentes ao cotidiano burguês entram em pauta nas ruas, e um levante da classe média torna a ter voz nos twitter e facebooks da vida. Seja a favor da legalização da maconha ou de questões de gênero, de uma redução da tarifa do ônibus ou contra o aumento da gasolina e pasmem, até mesmo por um preço justo para videogames importados.
Estas manifestações que vimos nas ruas pelo Brasil, foram produzidas por uma histeria coletiva na internet, mais baseadas na imediaticidade de um discurso subjetivista, e de fácil manipulação do open business do que por uma consciência mais crítica do que estava sendo criticado.
Temos uma reprodução virtual do modus operandi que define uma política partidária desgastada, reduzida a estratégias de marketing na medida em que os partidos perderam seu papel original, isto é, o de reunir as partes dissensuais do corpo coletivo em torno de ideias e propostas em franco debate. O que escapa a isso, hoje em dia, é casual, raro em qualquer mídia.
É então, produzida uma crise e desestruturação que tem como horizonte a universalização dos meios de produção e infra- estrutura pública instalada, a constituição de novos circuitos e mercados e a emergência de uma intelectualidade de massa (não mais o “proletariado”, mas o cognitariado) com a possibilidade da apropriação tecnológica por diferentes grupos (software livre, códigos abertos, cultura digital).
Um novo movimento cibernético pseudo-hippie emerge das profundezas dos apartamentos dessa classe média. A juventude do qual faço parte, quer simplesmente fazer algo, quer ir pra rua, quer gritar, mostrar sua indignação. Afinal de contas, que tipo de ação consciente é essa que simplesmente joga fora todo sentido crítico, não se preocupa com os sentidos de seus atos, e “apenas faz o que tem de ser feito”? E o que é que tem de ser feito?
A banalização do corpo político, da juventude enquanto agente transformador da realidade é emblemática. Não há luz no pé do farol. Temos que focar num mar longe da luminosidade da juventude brasileira, que está imersa na apropriação fetichista capitalista do exercício político.
A juventude tem que se pôr contra estes tecnocratas, economistas, que vivem apontando para o futuro e não para os jovens, estes usados como manobra partidária (vide o sensacionalismo feito pela mídia da Amanda Gurgel, do PSTU) ou pelo próprio capitalismo que se apropria do escopo emancipatório para a transformação da realidade em imagens, ou seja, a estetização, a fragmentação do senso de identidade, a falta de sentido na construção da personalidade do sujeito, a dissolução do eu na entrega perpétua ao gozo e etc. Disto vem o esvaziamento do político e do esforço crítico.
Durante a revolução russa já era discutido como os jovens deveriam abrir portas para a mudança, Lenin em seu famoso artigo: “Que Fazer ?” dizia que “os mais velhos, em geral, não sabem como abordar os jovens, e, assim, a juventude deve necessariamente avançar rumo ao socialismo de uma maneira diferente, por outros caminhos, de outras formas, em outras circunstâncias que os seus pais.
A busca do ineditismo a qualquer preço, embora tenha aspectos positivos, sempre incorre no enorme perigo de se repetir algo do que de fato de se inventar o novo. O prefixo pós acrescentado às coisas não as torna efetivamente distintas do seu conceito original. Desde que Jean-François Lyotard escreveu “A condição pós-moderna” em 1979, que, como num modismo, espalhou-se um clichê do “pós-tudo” que serviu para esconder uma submissão real ao regime financeirizado do capitalismo contemporâneo.
A juventude “ativista” desses movimentos considera as experiências anteriores às nossas como rancorosas, provenientes de ideologias que só provocaram dor, tomento e tirania. Pontuam uma nova era pós-rancor (graças ao seu teórico-guru Cláudio Prado). O que eles não sabem, que apesar de todos os prefixos provenientes da pós-modernidade, essa negação da ideologia enquanto principio motor de um processo emancipatório é nada mais que outra ideologia.
“A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem.” ERIC HOBSBAWN
Claro que certas utopias instituídas tornaram-se máquinas de poder, impondo posições moralistas e um dever ser. Maoismo, stalinismo, nazismo e outras formas autoritárias de um socialismo nacional são exemplos claros, mas generalizar a luta e a morte de milhares por regimes frutos de ególatras megalomaníacos é um desrespeito a memória para não dizer uma ignorância absurda.
Seguindo a lógica benjaminiana que todo acontecimento histórico é uma repetição, cito Brecht dizendo que o velho travestido de novo impera na mobilização dos jovens no processo revolucionário e no apoderamento subjetivo do capitalismo, como fetichismo tornando-se espetáculo visível dos processos de alienação.
Os choques do mundo moderno enfraqueceram a experiência, ficamos ricos em informação, e pobres em conhecimento. A perda da experiência e da memória transforma o homem em autômato. Destituído de toda sabedoria, é incapaz de contar, analisar, dar conselhos, aprender com o tempo. A experiência, para eles, é rancorosa.
A esquerda vai se fundindo na burocratização e aparelhamento dos movimentos, que assim vão distanciando-se das forças sociais vivas, caindo numa lógica autofágica e, no limite, reinscrita no sistema de controle e exploração capitalista.
Se o projeto de superação dos mecanismos fetichistas significa mais, e não menos, democracia, dialogar com esta nova classe média das marchas é fundamental. Do contrário, a postura sectária e ortodoxa terá o mesmo efeito das apropriações e só resultará no mesmo reforço do processo produtivo.
O fato de que nesse momento são espaços superficiais, a questão talvez seja: como ocupar esses espaços de forma a introduzir germes de reflexões políticas mais complexas? Como viabilizar que outras questões sejam coletivizadas? Como dar um passo pra algo que esteja além do espetáculo midiático?
Sem uma nova estrutura, ou uma visão diferente da dos fracassados e limitados esforços do passado, não haverá possibilidade de desafiar o todo-envolvente ecocídio, desumanização, e a destruição que são tão desenfreados atualmente. Todos sabem que a insanidade está oscilando, que a crise generalizada continua a se espalhar e se aprofundar. Meus colegas conservadores sabem que tudo está desmoronando. Esta condição assustadora e sem precedentes deve ser desafiada em sua totalidade e em suas raízes. Existe cada vez menos interesse em abordagens parciais, e por uma boa razão: abordagens parciais apenas garantem que as coisas continuem cada vez pior.
As marchas (e a participação nelas) são fundamentais, mesmo que boa parte de seus integrantes lá estejam por moda, não por consciência política, e mesmo que estes movimentos estejam sendo reforçados oportunamente por empresas. A questão é: como ir além do espetáculo? O sectarismo, que aponta heresias nas lutas sociais, não ajuda no diálogo com a classe média, tampouco reforça a militância de base, tão esquecida hoje em dia. A crítica imanente é fundamental, devemos ter o olhar de dentro e de fora do objeto ao mesmo tempo, como nos ensinou Adorno. Caso contrário a crítica torna-se não-dialética.
Embora, os problemas das marchas não se reduzam a empresas e grupos que queiram se apropriar dela, mas também ao fato de uma boa parte de aspirações e motivações dos participantes estarem integrados na cultura do capitalismo tardio, isto não encerra a questão. É preciso mediar, diferenciar, especificar. Dentro das próprias marchas existem aspirações para além delas, contra a lógica da economia libidinal da sociedade do consumo.
Embora, os problemas das marchas não se reduzam a empresas e grupos que queiram se apropriar dela, mas também ao fato de uma boa parte de aspirações e motivações dos participantes estarem integrados na cultura do capitalismo tardio, isto não encerra a questão. É preciso mediar, diferenciar, especificar. Dentro das próprias marchas existem aspirações para além delas, contra a lógica da economia libidinal da sociedade do consumo.
Que as coisas continuem como antes, eis a catástrofe! – Como dizia repetidamente Walter Benjamin, pois toda época que tem medo de si mesmo, tende a restauração, esta, em andamento. Nos movimentos de Maio na Espanha vi uma frase nos acampamentos que me instigou muito: “Enquanto não nos deixarem sonhar, não os deixaremos dormir”.
Há sonhos que adormecem e sonhos que acordam segundo Benjamin. Nós jovens, temos que focar nos sonhos onde provocam um despertar para a mudança. Galeano dizia a um bom tempo que o mundo era dividido entre os Indignos e os Indignados, portanto, somente pela unificação destes segundos não pela unidade, mas pela explosão múltipla de causas de indignação ao redor do mundo mais uma singela fagulha e eis saltarem pelos ares todas as fortalezas do capital da superfície terrestre e do sistema solar.