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Um malabarista sobre as ruínas da pós-modernidade



O marxismo, desde o Manifesto do Partido Comunista (1848), sempre se posicionou simultaneamente como crítico e como defensor da modernidade. A própria determinação do caráter contraditório — a combinação de aspectos positivos, como a urbanização e a industrialização, com traços negativos: a exploração, a reificação etc. — da modernidade tornou-se, com o tempo, uma de suas marcas distintivas. Essa associação fez com que o marxismo rejeitasse peremptoriamente as recorrentes tentativas teóricas de caracterizar o mundo atual como uma superação do capitalismo, desde a "sociedade pós-industrial" de Daniel Bell ao "fim da história" de Fukuyama. O mesmo sucedeu-se com o conceito de "pós-modernismo". Uma das poucas vozes marxistas que incorporaram o termo "pós-moderno", Fredric Jameson tenta, nesse livro de 1991, resgatar uma espécie de dialética da "pós-modernidade". O uso do termo parece-lhe irrecusável não só pelas contingências intelectuais norte-americanas, mas principalmente por lhe parecer a descrição mais adequada de uma situação em que a modernização, totalmente implantada, não se defronta mais com obstáculos (leia-se natureza e formas sociais pré-capitalistas) a serem superados. A realidade desse novo mundo designa, por oposição à "modernização incompleta" da modernidade, uma versão mais pura do capitalismo clássico, ou melhor, um terceiro estágio, o capitalismo multinacional, sucessor do capitalismo monopolista e do primevo capitalismo de mercado.

A nova divisão internacional do trabalho, a dinâmica vertiginosa das transações bancárias, as novas formas de inter-relacionamento das mídias, tudo isso que hoje identificamos como sintomas da "globalização", seriam, para Jameson, apenas manifestações visíveis do capitalismo tardio. Para estabelecer a topografia desse mundo no qual por definição tudo é "moderno", Jameson toma como régua e compasso a determinação da lógica específica da cultura "pós-moderna". Seu primeiro passo consiste na identificação dos traços recorrentes na produção — e nas teorias explicativas — do período que se estende desde a institucionalização acadêmica do modernismo em meados dos anos 60 aos nossos dias: a canibalização aleatória dos estilos do passado com a predominância estilística de pastiches; a criação de um hiperespaço muito além da capacidade humana de se localizar, pela percepção ou mesmo pela cognição, no meio circundante; a transferência da ênfase do objeto para a representação etc. Em seguida, Jameson estende as características dessas linguagens culturais à esfera da vida cotidiana, às nossas experiências psíquicas e, por que não, ao "espírito do tempo".

Essa abordagem totalizante passa — numa retomada do elã enciclopedista do Iluminismo — pelo mapeamento intelectual de uma multiplicidade impressionante de áreas do saber ou da arte. Evitando ao máximo os tiques classificatórios inerentes aos grandes panoramas, Jameson debruça-se sobre casos exemplares dessa nova sensibilidade, procurando -nem sempre de maneira feliz- conciliar análise formal e histórica. Para tanto examina, entre outros, um leque que vai desde a teoria do pós-modernismo de Jean-François Lyotard, a casa de Frank Gehry, um livro "nouveau roman" de Claude Simon até filmes como Totalmente Selvagem e Veludo Azul [filmes de David Lynch]. Desse itinerário se depreende que o esmaecimento do sentido histórico, a substituição da categoria "tempo" enquanto dominante pelo "espaço" ou a transmutação das coisas em imagens no processo de reificação, mais do que características de uma dominante cultural, constituem traços estruturais do capitalismo tardio.

Esse procedimento -o estabelecimento de conexões, a descoberta de afinidades entre fenômenos e esferas aparentemente distintas e autônomas-, legitima-se no "pós-modernismo" jamesoniano, pela dissolução "explosiva" da autonomia da esfera cultural, descrita por ele como uma prodigiosa expansão da cultura até o ponto em que tudo na vida social -do valor econômico e do poder do Estado à estrutura da psique- deve ser considerado como cultural.

Nesse modelo, a colonização do real pela cultura surge como uma atualização, ou melhor, uma amplificação telescópica do conceito de Theodor Adorno de "indústria cultural". Perdem-se, porém, as diferenciações internas -seja com o fim da autonomia e separação das esferas (cultural, normativa e cognitiva), seja pelo descentramento do sujeito, seja pela dissolução da "alta cultura"- que possibilitaram tanto ao modernismo quanto ao marxismo ocidental (daí talvez a sua afinidade) se auto-representarem, na esteira de Marx, como expressões da dialética da modernidade. Uma vez que a produção cultural hoje estaria totalmente integrada, e portanto subordinada, à lógica da mercadoria -o que Jameson não deixa de saudar em nome da "democratização da informação"- nada parece restar como apoio para sua intenção de estabelecer uma dialética da "pós-modernidade". A empatia com os objetos que analisa, a surpreendente simpatia pelo mundo "pós-moderno" transformam em mera retórica seu projeto de "pensar dialeticamente a evolução do capitalismo tardio como um progresso e uma catástrofe ao mesmo tempo". A satisfação de Jameson no "pós-modernismo" marca, ela sim, uma ruptura com o mal-estar na modernidade, com a postura, incessantemente crítica, própria ao marxismo ocidental e à maioria dos artistas modernistas.
Essa interpretação do presente, se verdadeira, atestaria a emergência de um "sistema total", com o sinal trocado é claro, estruturalmente semelhante ao mundo uniformemente aterrorizante visualizado por Foucault ou por "1984". Apenas cinco anos após a sua publicação já seria possível inserir esse livro, como um momento significativo, na lista das tentativas de compreensão da nova fase do capitalismo, o que atesta, no mínimo, que apesar dos temores "pós-modernistas" uma tempestade continua a impelir, irresistivelmente, o anjo da história para o futuro, transformando o "momento pós-modernista" em mais uma peça de um amontoado de ruínas.

Publicado na Folha de S. Paulo, no Caderno Mais! em 16 de junho de 1996.