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Notas sobre viver no fim dos tempos


Uma emergência econômica permanente
Uma coisa é clara: depois de décadas de Welfare State, quando os cortes sociais eram relativamente limitados e vinham com a promessa de que as coisas retornariam brevemente a normalidade, entramos agora num período em que um tipo de estado de emergência econômico torna-se permanente: transformando-se numa constante, num modo de vida. Isso tráz consigo o medo de medidas de austeridade muito mais selvagens, cortes nos benefícios, reduções dos serviços de saúde e educação e empregos mais precários. A esquerda encara a difícil tarefa de enfatizar que estamos lidando com economia política – que não há nada “natural” em tal crise, que o sistema econômico global existente depende de uma série de decisões políticas – tendo simultaneamente a consciência plena de que, enquanto estivermos no sistema capitalista, a violação de suas regras causa efetivamente quebras econômicas. Então, enquanto entramos claramente numa nova fase de exploração aberta [enhanced] (terceirizações etc.), devemos ter em mente que isto é imposto pelo próprio funcionamento do sistema, sempre na iminência de um colapso financeiro.
Notas para uma definição de cultura comunista
O conto “Josefina, a cantora ou o Povo dos Ratos” (1924) de Kafka nos leva à lógica da exceção constitutiva da ordem da universalidade: Josefina é o Um heterogêneo através do qual o Todo homogêneo do povo é situado (percebe a si mesmo) como tal. – Aqui, entretanto, vemos porque a comunidade de ratos não é uma comunidade hierárquica com um Mestre, mas uma comunidade “Comunista” radicalmente igualitária: Josefina não é venerada como um Mestre ou Gênio carismático, seu público sabe plenamente que ela é apenas um deles. Então a lógica não é sequer a do Líder que, com sua posição excepcional, estabelece e garante a equidade dos seus sujeitos (que são iguais em sua identificação compartilhada com o seu Líder) – Josefina ela própria tem de dissolver sua posição especial nesta equidade. Isto nos leva à parte central da história de Kafka, a detalhada, frequentemente cômica, descrição do modo como Josefina e seu público, o povo, se relacionam um com o outro. Precisamente porque o povo sabe que a função de Josefina é apenas reuni-los, eles a tratam com igualitária indiferença; quando ela demanda “privilégios especiais (isenção de trabalho físico) como compensação pelo seu trabalho ou como reconhecimento de sua distinção única e seu serviço insubstituível a comunidade”, ela não ganha nenhum favor especial.
Notem como Josefina é tratada como uma celebridade, mas não fetichizada – seus admiradores são cientes que não há nada especial nela. Para parafrasear Marx, ela pensa que o povo a admira por ser uma artista, mas na realidade ela é uma artista somente porque o povo a trata como tal. Aqui temos um exemplo de como, numa sociedade Comunista, o Significante-Mestre continua operando, mas desprovido de seu efeito fetichista – a crença de Josefina em si mesma é percebida pelo povo como seu inofensivo e até ridículo narcisismo, que deve ser gentil, mas ironicamente tolerado e sustentado. É assim que os artistas devem ser tratados numa sociedade Comunista – eles devem ser aplaudidos e bajulados, mas não lhes devem ser dado nenhum privilégio material, como isenção do trabalho ou ração especial.