A floresta é tão fechada que você entra na cidade sem saber que ela está lá. Então assombras se aprofundam e, olhando pelas folhas, você vê uma torre de pedra queimando no sol. Os prédios poderiam ser montes ou encostas, a não ser por uma escada coberta de raízes, uma estátua com musgos, uma inscrição. Você anda o dia todo, e nunca deixa a floresta ou a cidade. Uma parece crescer da outra – árvores dos prédios, prédios das árvores – como se sempre estiveram juntas, como se as pedras fossem cortadas e erguidas pelos jaguares, que fazem suas tocas nos vãos, como se as inscrições contassem os épicos dos morcegos.
As pessoas de nosso tempo vieram e cavaram por baixo das ruas e pisos, perguntando, o que aconteceu aqui? Onde foram os construtores? O que silenciou os escritores? Por que os astrônomos, que podiam traçar a trajetória dos planetas no passado e no futuro, estavam cegos para sua própria catástrofe? Senão cegos, por que impotentes?
A queda da civilização maia clássica no século nove por muito tem intrigado os arqueólogos. Agora respostas estão surgindo que devem preocupar todos nós. Tikal, a maior cidade, parece uma Manhattan de pirâmides em arte deco (a arquitetura maia influenciou o estilo moderno) presidindo sobre uma área urbanizada de 120 quilômetros quadrados. Levou 1500 anos para atingir esse tamanho, ainda assim todos os arranha-céus de Tikal foram construídos em seu século final, um extravagante florescimento na véspera do colapso.
Copan é menos grandiosa, com uma escultura intrincada, as estátuas de seus reis radiando ordem e refinamento. Mas escavações mostraram que esta cidade, pelos séculos, arruinou o solo rico em que cresceu. A melhor terra foi pavimentada, os montes foram achatados para fazer fazendas. A classe governante (revelada por seus ossos) cresceu alta e gorda; os camponeses ficaram magros. O fim foi uma agonia de caos ecológico e social, uma luta por recursos num mundo lotado. Escavações em Dos Pilas mostraram um momento finais. As pessoas se juntando no centro da cidade, tirando as pedras dos templos para fazer barricadas.
A Terra é cheia de cidades mortas. Civilizações, como indivíduos, nascem, crescem e morrem. Exceto a nossa. A nossa, acreditamos, é diferente. A beneficiária de todo o resto. A tarde ensolarada em que estamos vai se estender para sempre. Nesta crença, nós estendemos nossas vidas contra a evidência do tempo.
A civilização (eu uso o termo no sentido antropológico, significando sociedades complexas e populosas) é, para ser direto, um experimento de 10000 anos de começa com a invenção da agricultura e áreas chave, no leste próximo, sudoeste da Ásia, Meso-américa e Peru. A agricultura levou às cidades, aos especialistas e aos sacerdotes, ao governo de muitos por poucos. Com isso vieram coisas maravilhosas: arte, literatura, música, ciência. A civilização também retirou outras formas de vida, geralmente forçosamente. Agora não há alternativas viáveis, nenhum espaço branco no mapa. Não há retorno sem desastre. Enquanto subimos as escadas do progresso, as chutamos para baixo.
Dez mil anos pode parecer tempo bastante para declarar um sucesso irreversível. Mas é menos que 1 por cento da nossa carreira na Terra. Até nossa subespécie moderna, homo sapiens, existiu 10 vezes mais tempo que a civilização. O modo de vida sedentário que tratamos como normal hoje em dia não é o modo de vida em que, e para o qual, nós evoluímos. Então porque não havia civilizações em qualquer lugar até 10000 anos atrás, quando elas surgiram independentemente em quase todos os continentes?
A data é significante, e possivelmente a própria explicação. Estudos do clima antigo mostram que o clima do mundo tem estado estranhamente estável desde o fim da última era do gelo. Não poderíamos ter inventado a agricultura antes, mesmo que tentássemos. Agora encaramos a evidência de que a civilização por si mesma está desestabilizando o longo período de clima bom no qual cresceu.
Civilizações se erguem porque elas encontram novas formas de explorar os recursos humanos e naturais, para forçar a balança entre cultura e natureza. Elas se alimentam da ecologia local até que se degrade, prosperando apenas enquanto cresce. Quando não podem mais se expandir, caem vítimas do seu próprio sucesso. A civilização é um esquema de pirâmide.
O espaço entre ascensão e queda é uma questão de escala, de demanda superando os limites naturais. Bandos nômades de caçadores coletores poderiam viver nos pântanos e planícies do leste próximo indefinidamente. Seu impacto era leve, seus números cresciam e diminuíam de acordo com a abundância de presas e vegetação. Então, lentamente, eles começaram a plantar e colher. Tudo foi bem por um bom tempo, trazendo excesso e estabilidade para o suprimento de comida. Em terras onde alguns antes andavam, milhares agora trabalhavam em campos de trigo. Em tempos vagarosos do ano, ficavam ocupados com trabalhos públicos e monumentos. Este foi o fim do Éden, o começo do nosso mundo.
Mas havia um custo, um débito com a natureza acontecendo tão gradualmente que mal foi observado, quanto mais compreendido. Florestas diminuíam e retrocediam, a terra desnuda trazia secas e inundações (incluindo, talvez, o Dilúvio), campos irrigados se ficaram gastos. As cidades da planície transformaram seus arredores em desertos. O deserto em que suas ruínas estão são desertos criados por elas.
No passado, esses ciclos eram regionais. Enquanto Roma caía no mediterrâneo, os Maias ascendiam na América Central, e assim por diante; as perdas eram locais, o experimento como um todo continuou. Mas agora as apostas de 10000 anos todas recaem num único lance. Temos uma grande civilização, se alimentando da Terra inteira numa taxa em que podemos observar a exaustão de capital natural em nossos períodos de vida, seja a perda de vida selvagem, água, recifes de corais ou florestas. Estamos devastando florestas em todo lugar, estamos irrigando em todo lugar, estamos pescando em todo lugar, e nenhum canto da biosfera escapa da nossa hemorragia de lixo. Mesmo que parássemos nesse minuto, nosso domínio sobre a Terra ainda apareceria nos vestígios fósseis tão feio quanto o impacto de um asteróide.
Há um ditado na Argentina que diz que toda noite Deus limpa a bagunça que os argentinos fazem durante o dia. Isto parece ser o que todos nós estamos esperando. Durante apenas o século XX nossa população multiplicou-se por quatro, enquanto o consumo cresceu por 40. Ainda assim o número de pessoas em pobreza abjeta é tão grande quanto de toda humanidade em 1900. Isto é progresso? Pode o mercado ser confiável para governar o mundo? Ou nossa explosão consumista é a riqueza ilusória de herdeiros gastando sua herança – e de forma alguma apenas a deles. É a promessa de prosperidade para seis bilhões a maior mentira de nosso tempo?
A história logo vai responder a grande questão: O experimento de 10000 anos acabará sendo uma falha? Na minha sátira distópica, Um Romance Científico, eu imaginei o veredicto que podemos ouvir. Nossas cidades atarefadas caem tão silenciosas quanto Tikal. Espero estar errado. O que é certo é que temos uma última chance, no máximo, para nos equilibrar direito. Na há mais espaço para erros, nem sequer espaço para não fazer nada. Se falharmos em limitar nosso número e impacto, se não trocarmos nossa economia sedenta por ouro por um compartilhamento racional do que a terra pode suportar este novo século não vai ficar velho antes de entrarmos numa era de caos e colapso que irá ultrapassar todas as idades das trevas do nosso passado.
A história mostra que tal reforma é improvável. Assim como os eventos correntes. De acordo com os cálculos das Nações Unidas, os três indivíduos mais ricos têm uma riqueza total igual aos 48 países mais pobres. Enquanto escrevo, o maior poder que já existiu está planejando gastar 60 bilhões de dólares numa nova corrida armamentista, uma quantia que pode prover o mundo com água potável segura e deixar 20 bilhões de troco. A típica resposta do poder é continuar construindo pirâmides mais altas enquanto as nuvens de tempestade se acumulam; como aqueles reis maias mortos.