Co-mu-ni-da-de – s. 1. um corpo de pessoas com os mesmos interesses. 2. [Ecol.] um agregado de organismos com relações de mutualismo. 3. um conceito invocado para estabelecer solidariedade, geralmente quando a base para tal afiliação está ausente ou quando o conteúdo atual dessa afiliação contradiz o objetivo político da solidariedade.
Comunidade, palavra que obviamente significa mais que, digamos, vizinhança, é um termo muito enganoso, mas um critério contínuo de valor radical. De fato, todos os tipos de pessoas recorrem a ele, de acampamentos pacifistas próximos de áreas de testes nucleares até esquerdistas do tipo “servir ao povo” com seu direcionamento de sacrifício-e-manipulação aos colonizadores africanos proto-fascistas. É invocado por uma variedade de propósitos e objetivos, mas como uma noção libertadora é uma ficção. Todos sentem a falta da comunidade, porque a irmandade humana deve lutar, até para remotamente existir, contra o que a “comunidade” é na realidade. A família nuclear, a religião, a nacionalidade, o trabalho, a escola, a propriedade, a especialidade de papéis – algumas combinações dessas coisas parecem comprometer toda comunidade sobrevivente desde a imposição da civilização. Então estamos lidando com uma ilusão, e argumentar que alguma forma qualitativamente superior de comunidade é permitida dentro da civilização é afirmar a civilização. A positividade promove a mentira de que o autenticamente social pode co-existir com a domesticação. A respeito disso, o que realmente acompanha a dominação, como comunidade, é no máximo o protesto de classe-média de “respeite o sistema”.
Fifth Estate, por exemplo, recorta sua crítica (parcial) da civilização sustentando a comunidade e amarrando ela em cada uma de suas outras sentenças. Às vezes parece que um ocasional filme de Hollywood (e.g. Emerald forest, Dança com lobos) ultrapassa nossos jornais anti-autoritários mostrando que a solidariedade surge da não-civilização e seu combate com a “comunidade” da modernidade industrial.
Jacques Camatte discutiu o movimento do capital de um estágio de dominação formal para um de dominação real. Mas parece haver terrenos significantes onde projetar a erosão contínua do apoio para a comunidade existente e o desejo genuíno de solidariedade e liberdade. Como Fredy Perlman colocou, próximo do fim do seu excepcional Against His-Story, Against Leviathan!: “O que se sabe é que o Leviatã, o grande artifício, simples e global pela primeira vez, na Sua-estória, está decompondo-se... É uma boa hora para as pessoas deixarem sua sanidade, suas máscaras e armaduras, e ficarem loucas, pois elas já estão sendo ejetadas de suas belas polis”.
A recusa da comunidade pode ser considerada um isolamento auto-destrutivo, mas parece preferível, mais saudável, a declarar nossa submissão a fabrica diária de um crescente mundo auto-destrutivo. Alienação aumentada não é uma condição escolhida por aqueles que insistem no verdadeiramente social sobre o falsamente comunal. Está presente em qualquer caso, pelo conteúdo da comunidade. Oposição ao estranhamento da existência civilizada, pacificada, deve pelo menos chegar a nomear este estranhamento ao invés de celebrá-lo chamando-o de comunidade.
A defesa da comunidade é um gesto conservador que se afasta da ruptura radical necessária. Por que defender aquilo para o qual somos reféns? Na verdade, não há comunidade. E só abandonando aquilo que é passado com este nome podemos nos mover para resgatar a visão da comunidade e a vibrante conectividade num mundo que não carrega nenhuma semelhança com este. Só uma “comunidade” negativa, baseada explicitamente no desprezo pelas categorias da comunidade existente, é legítima e apropriada para nossas intenções.