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Meu problema com o anarquismo


O anarquismo sempre foi problemático, para mim. Ele me ajudou a atingir uma perspectiva antiestatista e anticapitalista incondicional em meados da década de 70, e no entanto minha primeira declaração pública sob aquela perspectiva explicava por que eu não me identificava com o  anarquismo. Pela definição do dicionário sou um anarquista, mas o dicionário é só o inicio do saber. Ele não pode levar coerência para onde contradições abundam ou reduzir diferenças a uma unidade, chamando-as pelo mesmo nome. 
 Quando uma idéia é lançada na história, parte cada vez maior de seu significado vem de sua experiência. Apelos saudosistas para retornar aos principios originais provam isso,porque também fazem parte da historia. E, da mesma forma que nenhuma seita protestante conseguiu realmente recriar a Igreja primitiva,  nenhum fundamentalismo anarquista subsequente jamais restabeleceu, ou pôde restabelecer, o anarquismo puro no modelo bakunista, kropotikista ou outros. qualquer coisa que tenha entrado de maneira relevante na pratica dos aarquistas tem lugar no fenômeno processual anarquista , sendo ou não logicamente dedusivel dessa história , ou ate mesmo contradizendo-a. Sabotagem , vegetarianismo, assassinato , pacifismo, amor livre, cooperativas e greves são todos aspectos do anarquismo que os detratores anarquistas tentam menosprezar como atividades antianarquicas. 
    Chamar a si mesmo de anarquistas significa se predispor à identificação com uma gama imprevisível de associações, um conjunto que raramente significara a mesma coisa para duas pessoas, inclusive para dois anarquistas. (A mais previsível delas é a menos exata: um cara que explode bombas. Mas anarquistas já lançaram bombas , e alguns ainda lançam.) 
   O problema dos anarquistas é que eles acham que concordaram sobre aquilo a que todos eles se opõem - o Estado - quando na verdade só estão de acordo sobre o nome que lhe dão. 
Seria possível provar que os maiores anarquistas não eram, em absoluto, anarquistas. Godwin queria que o estado murchasse, mas gradualmente, e não antes que o progresso do esclarecimento  preparasse as pessoas pra se virarem sem ele. Isso na verdade, parece legitimar o estatismo existente e culminar na idéia banal de que , se as coisas fossem diferentes, não seriam as mesmas. Proudhon, que serviu na legislatura nacional francesa, acabou chegando a uma teoria do federalismo que nada mais era a devolução da maior parte do poder de estado aos governos locais. As comunas livres de Kropotkin podem não ser nações-estados, mas certamente parecem cidades-estado. Naturalmente, nenhum historiador deixa de achar ridícula a afirmação de Kropotkin de que as cidades medievais eram anarquistas. 
     Se alguns dos maiores anarquistas, vistos de perto, parecem um tanto aquém de alguma consistência a respeito do próprio princípio definidor do anarquismo  -  a abolição do Estado - é muito surpreendente que alguns dos luminares menos importantes sejam, por sua vez, pouco brilhantes. Para quem o ver de fora, O Grande Sindicato Único - que também defende o dever do trabalho - é um enorme Estado, e totalitário ainda por cima. Algumas "anarcofeministas" são queimadoras de livros. Dean Murray Bookchin abraçou a politica de terceiro partido e o estatismo municipal, assustadoramente ao movimento/milícia protofascistas Posse Commitatus, que quer abolir todo governo acima do nível de condado. E o "governo invisível" dos militantes anarquistas de Bakunin é, na melhor das hipóteses , uma escolha infeliz de palavras, especialmente saindo da boca de um maçom. 
   Os anarquistas não se entendem  sobre trabalho, industrialismo, sindicalismo, urbanismo, ciência, liberdade sexual, religião, e um sem numero de coisas mais importantes, especialmente quando tomadas em conjunto. Há mais pontos discordante do que qualquer coisa que os una. Cada um dos "encontros" anuais do anarquismo norte americano que aconteceram entre de 1986 a 1989 - a primeira vez que a maioria desses anarquistas viu um ao outro frente a frente - , resultou numa hemorragia dos desiludidos. Ninguem quer saber de organizar o próximo, embora alguns encontros regionais tenham dado bons resulktados. 
   Mas apesar dos demagogos, doutrinários e débeis mentais, parte da imprensa anarquista, conseguiu ventilar um pouco o movimento, para alegria não só dos cabeças-de-vento, e o oxigênio é antiséptico. Os anarquistas, ou melhor, os anarquistas marginais, muitas vezes sabem o que carregar e o que deixar para trás . Uma familia de heteroxias que denominei anarquismo "Tipo 3" ou "watsoniano" abriu muito espaço entre os tradicionalistas nos últimos anos. Os Tipo 3, a cateporia dos inclassificáveis, enriquecem seu anarquismo (ou seja la o que for) com empréstimos do neoprimitivismo ( ou então do neofuturismo!), do surrealismo, do situacionismo, das religiões piadistas (discordiana, ciência mooreana, Sub-Genius), da cultura punk, da cultura da maconha e da cerveja e da cultura beat. Alguns anos atrás , os proletaristas,  em minoria, lançaram uma campanha de ódio aos Tipo 3, entre outros - pendurando neles ( ou devo dizer lumpendurando?) a pecha imbecil de "neo-individualistas". nós somos parasitas sociais, místicos, masturbadores e de maneira geral, selvagens sem moral. Sim , mas eles são universitários com capacetes de construção de grife. 
  Os anarquistas... ruim com eles, pior sem eles. Como informei uma vez a Demolition Derby, os anarquistas podem ser péssimos camaradas, mas são ótimos clientes. Em 1985 fiquei tão enojado de todos eles que rompi meus laços de vez. Com o passar dos anos, isso perdeu o sentido,  porque ficou difícil de dizer exatamente o que era " anarquista" o suficiente para merecer ser boicotado. Agora eu faço uma analise caso a caso. 
   Este texto é uma galeria de vilões. A alguns dos anarquistas que eu respeito, como Ed Lawrence e Hakin Bey , mostrei minha estima em outros artigos. enquanto isso , eu retomo a luta contra a terminologia. Sou anarquista ou não sou? Como Feral Faun e outros, eu me viro contrapondo " anarquia " a "anarquismo". Mesmo se essa distinção " pegar", como chamar os respectivos partidos? Eu sugiro o seguinte: que os "anarquia-istas" se autodenominem anarcos, uma palavra cuja primeira ocorrência conhecida - em Paraíso Perdido - de Milton! - antecede anarquista em nove anos. é melhor porque, como a distinção corresponde monarca e  monarquista, ela designa não aquilo em que nós acreditamos, mas o que somos , até onde nosso poder permite: poderosos em nós mesmos. 
     por vezes demais os anarquistas me passaram sermão pedindo que eu evitasse as "rivalidades" e "conflitos internos" para combater melhor "o verdadeiro inimigo", expressão com que se referem a alguma abstração convenientemente remota como o capitalismo ou o Estado. Que arrogante, para pessoas que me acusam de ser arrogante, me dizer que elas enchergam meus verdadeiros inimigos melhor do que eu. Já refutei o argumento quando me foi apresentado na sua forma mais sedutora - a lisonjeira sugestão de que meus inimigos não são dignos de mim. Posso dispensar a versão padrão , mais  tosca dele, como uma trama cínica e egoista para escapar das minhas criticas, redirecionando-as. Embora possa ter sido proposto de boa fé, é bobagem. 
       Zorro e Tonto estão cercados pelos índios. Zorro diz : " Parece que desta nós não escaparemos, velho amigo". E Tonto diz: " Nós quem, cara palida? " 
     "O verdadeiro inimigo é a totalidade dos limites físicos e mentais com os quais o capital, a sociedade de classes, o estatismo ou a sociedade do espetaculo desapropriam o dia-a-dia, do nosso tempo de vida. O inimigo verdadeiro não é um objeto separado da vida. É a organização da vida por poderes distanciados dela e voltados contra ela. O aparato , não o seu quadro de funcionários, é o inimigo verdadeiro. Mas pelos apparatchiks, e mediante eles, e todos os outros que participam do sistema, que a dominação e a falsidade se tornam manifestas. A totalidade é a organização de todos contra cada um e de cada um contra todos. Ela inclui todos os policiais, todos os assistentes sociais, todos os funcionários de escritórios, todas as freiras, todos os colunistas de segunda pagina, todos os chefões do trafico de drogas , de Medellin a UpJohn , todos os sindicalistas e situacionistas. 
 Isso não é retórica, para mim , é algo que inspira as minhas escolhas. Implica que posso esperar encontrar ações e, opiniões e personalidades autoritárias entre os anarquistas como em qualquer outro lugar. "Camaradas" não são meus camaradas - nem eu sou, nos meus piores momentos, meu próprio camarada -  quando eles, ou eu, nos comportamos como " o inimigo verdadeiro". Não existe inimigo verdadeiro fora das açoes humanas. 
      E que lugar melhor para os autoritários se aninharem do que entre os anarquistas, tão facilmente absorvidos por rótulos, tão facilmente deslumbrados por valores chamativos de produção, e tão facilmente confundíveis perante os fatos? Embora ela seja só um tipo ideal, a personalidade autoritária esta quase que completamente  realizada em anarquistas como Jon bekken, Michael Kolhoff, Chaz Bufe, Fred Woodworth e Chris Gunderson, e em antiautoritários como Caitilin Manning, Chris Carlsson, Adam cornford e Bill Brown. ( Antiautoriatario, que historia essa palavra poderia contar. Como disse Bill Knot, "Se antiséptico bucal falasse...") 
    Se os anarquistas são capazes de atitudes autoritárias e de incoerência ideológica, eu não devo chamá-los cegamente de camaradas, mas do que chamaria de camarada um guarda rodoviário ou um vendedor de carros usados. O rotulo não é uma garantia. Um motivo importante para minha dissociação do anarquismo em 1985 foi impedir qualquer reivindicação da minha lealdade ou isenção de critica , baseada no farto de que "nós" estamos do mesmo lado. Para um verdadeiro camarada as criticas seriam bem-vindas. 
      Falar das minhas rivalidades, em geral, é bobagem. Embora não exista  separação definitiva entre o pessoal e o político , especialmente, quando se é uma pessoa tão política quanto eu, richas predominantemente pessoais não tem lugar neste livro. Um argumento não se torna rivalidade só porque eu  o levo além do costumeiro estagio do monólogo ou porque outro cara começa a me xingar. Ideólogos que não têm capacidade ou maturidade para defender com profundidade suas opiniões deveriam  guardá-las para si próprios, especialmente quando publicam revistas. 
    Fui acusado de abuso de força pelos atentado contra os editores anarquistas Fred Woodworth e "Spider Rainbow". É difícil dizer . Spider Rainbow de fato secou e morreu, mas a cada minuto nasce outro dele. Woodworth continua agonizando, porque nada que não tenha realmente vivido pode morrer: eu escavei a múmia e suas momices. A medida adequada do valor de minhas palavras não é a envergadura de meus assuntos. Eles não precisam ser importantes para serem úteis, para variar. 

Bob Black